A exposição Resonancias. Colecciones Fundación MAPFRE, que poderá ser visitada de 26 de maio a 4 de setembro de 2022 no Espai2, do Centro de Fotografia KBr de Barcelona, é uma espécie de manifesto experimental que pesquisa sobre o que as imagens do passado nos dizem e como ressoam no presente. O objetivo é selecionar uma série de obras da coleção fotográfica da Fundación, especialmente rica em autores clássicos americanos, e procurar sua reverberação ou ressonância nas práticas fotográficas contemporâneas. Não se trata, portanto, de simplesmente escolher obras de acordo com um determinado critério curatorial, mas sim de especular pedagogicamente sobre a transição da fotografia para a pós-fotografia.
TEXTO: ÁREA DE CULTURA DA FUNDACIÓN MAPFRE
Lee Friedlander/Miguel Ángel Tornero
Lee Friedlander (Aberdeen, 1934) é conhecido por retratar o «modo de vida americano». Em suas imagens, nas quais ele favorece a casualidade, o autor permite uma visão objetiva e sem preconceitos das ruas de Nova Iorque e de outras cidades americanas. Uma paisagem, a da rua, e uma rede social pela qual o artista Miguel Ángel Tornero (Baeza, 1978) também demonstrou interesse.
Asséries aleatórias de Tornero são um exercício repetido em diferentes cidades, no qual o artista fotografa seu dia a dia de forma instintiva e intuitiva. Mais tarde, o autor usa um software para criar imagens panorâmicas unindo várias fotos, mas perverte suas regras e introduz imagens sem conexão, que o programa tem que ajustar. O resultado é uma espécie de «cadáver extraordinário» surrealista, uma colagem desordenada ou «deconstruída» que requer o esforço e toda a atenção do público para que tenha sentido.
Garry Winogrand/Joachin Schmid
Tanto Garry Winogrand (Nova Iorque, 1928-Tijuana, 1984) quando Joachim Schmid (Balingen, Alemanha, 1955) encontram sua fonte de trabalho na rua. Em 1975, publicou o livro Women are beautiful, um testemunho da liberação da mulher. Estas fotografias «ressoam» com a série L.A Women, onde o autor tem como objetivo restaurar e dar novo significado a imagens que destacam o flagelo do feminicídio e a violência que as mulheres sofrem hoje em dia. As fotografias desta série mostram rostos com hematomas, cortes e feridas, mas a causa é desconhecida. Tudo está inserido nestas imagens, e tudo talvez seja demais. Neste sentido, Schmidt defende uma ecologia da imagem. A crítica é servida, a saturação excessiva de instantâneas nos faz contemplar algo que moralmente devemos rejeitar, como apenas mais um motivo da vida cotidiana, a um clique do mouse.

6 Rua Wanderley Pinho, Salvador, Brasil, 2020
Courtesy of the artist and Sprueth Magers Gallery
Helen Lewitt/Jon Rafman
Helen Lewitt (Nova Iorque, 1913-2009) é, antes que Garry Winogrand, uma das pioneiras da Street Photography. Como se a artista permanecesse ausente da ação, ela mostra crianças e adultos que vivem nas ruas de Nova Iorque após a crise de 1929, em bairros como Harlem ou Lower East Side.
Em 2008, John Rafman (Montreal, Canadá, 1981), começou a colecionar imagens do Google Street View, que tira fotos indiscriminadas da rua de um ponto de vista supostamente neutro. Ao separar essas imagens e depois mostrá-las em diferentes exposições ou agrupá-las em livros, blogs e outros sites, o artista devolve a elas um significado que antes não tinham. Também destaca o papel do artista em relação ao aumento de diferentes formas automáticas de produção cultural.
Robert Adams/Paolo Cirio
Robert Adams (Orange, Nova Jersey, 1937) foi um excelente fotógrafo. No final dos anos 70 e início dos 80, ele documentou a vida cotidiana dos cidadãos que viviam perto da usina nuclear de Rocky Flats, em Denver. Há algo de ‘zombies’ nestas personagens que andam pelas ruas e realizam seu trabalho diário, sabendo que estão expostos a um perigo que não podem ver.
Paolo Cirio (Turín, 1979) é um desses artistas que destacam as contradições e a complexidade da sociedade da informação, através de uma abordagem crítica. Em Street Ghosts, o artista recorta imagens de pessoas tiradas do Google Street View e imprime em tamanho real, para depois colar nas paredes dos edifícios públicos, exatamente onde estavam quando as escolheu. Uma vez no lugar, esses «fantasmas» nos questionam de seus muros sobre diferentes questões: desde o direito à privacidade até a substituição simbólica do real por sua representação.

New York, ca. 1940
Colecciones Fundación MAPFRE
© Film Documents LLC, courtesy Galerie Thomas Zander,
Cologne
Diane Arbus/ Juana Gost
A galeria de retratos que Diane Arbus (Nova Iorque, 1923) realizou ao longo de sua carreira é caracterizada por uma sucessão de personagens estranhos, excêntricos e periféricos que não se conformam os padrões sociais. Contemplá-los nem sempre é fácil e é até desconfortável, pois obriga o público a enfrentar uma alteridade que talvez prefere ignorar.
Juana Gost (Sória, 1987) também faz do outro o objeto de sua atenção, mas em vez de procurar na rua, o encontra em portais como Instagram, Flickr, Fotolog, Picassa ou Photobucket, dos quais extrai de forma aleatória imagens de pessoas escarificadas, tatuadas e com muitos piercings, implantes extremos ou anoréxicas. São o que ela chama de «perfis de identidade comunitária do submundo capitalista». O que em Arbus é apresentado como um fardo a ser suportado e provoca rejeição, na era pós-fotográfica torna-se um sintoma de excepcionalidade de identidade e, portanto, está sujeito à escolha de cada indivíduo, que hoje entende a quebra de normas como um imperativo essencial.
Emmet Gowin/Kurt Caviezel
Desde os anos 60, a obra de Emmet Gowin (Danville, Virgínia, 1941) está dedicada à sua família, sua mulher Edith e seus filhos Eliah e Isaac. O artista faz do álbum de família e de sua vida cotidiana seu projeto artístico e de vida, que transmite com uma proximidade e naturalidade comoventes. O oposto do olhar de um paparazzi que se intromete na vida privada de outros.
Durante anos, Kurt Caviezel (Chur, Suíça, 1964) esteve invadindo milhares de câmaras de vigilância em todo o mundo e compilou um arquivo com mais de 5 milhões de capturas gráficas. Na série The Users, foi um passo além: explorou as webcams de computadores de diferentes usuários em todo o mundo e observou suas videoconferências quase como umvoyeur. Estas imagens de espionagem destacam o fim da privacidade na era da vigilância. Se um simples artista transformado em hackerazzi pode penetrar em nossos domínios privados, o que as agências de inteligência e as grandes corporações podem fazer com os ilimitados recursos tecnológicos à sua disposição?

New York, ca. 1940
Colecciones Fundación MAPFRE
© Film Documents LLC, courtesy
Galerie Thomas Zander, Cologne

New York, ca. 1940.
Colecciones Fundación MAPFRE
© Film Documents LLC, courtesy Galerie Thomas Zander, Cologne

Cincinnati, 1963
Colecciones Fundación MAPFRE
© Lee Friedlander, courtesy Fraenkel Gallery, San Francisco and Luhring Augustine, New York

Sin título (the random series —romananzo—), 2013
© Miguel Ángel Tornero, VEGAP 2

70 Via Trincea delle Frasche,
Fiumicino, Lazio, Italia, 2010
Courtesy of the artist
and Sprueth Magers Gallery