SUPER-HERÓIS DO BAIRRO

TEXTO: FRANCISCO JAVIER SANCHO MAS IMAGENS: LEAFHOPPER

A síndrome de Rett (RTT) é uma doença rara que afeta principalmente o desenvolvimento e o sistema nervoso das meninas, devido a um problema com um gene encontrado no cromossomo X. Sara é uma das princesas dessa história, uma garota que, um certo dia, deixou de se relacionar com os demais e se trancou em seu mundo. Sete anos depois, veio o diagnóstico síndrome de Rett.

Quero apresentar-lhes a uma das verdadeiras protagonistas dessa história. Uma princesa que veio do Oriente há 12 anos e mora na Calle Embajadores em Madrid. Seu nome em espanhol é Sara e em chinês é Xiaoying (que significa ‘amanhecer transparente’). Seu pai se chama Jaime Alcacer, de 48 anos. São sete e meia de uma manhã fria em Madrid, e Sara está tomando café da manhã com a ajuda de Carol, outra das pessoas essenciais nesta história em que todos se ajudam para enfrentar a síndrome de Rett.

Mas que síndrome é essa? «Pois bem, é uma merda», diz Jaime para explicá-la em uma só palavra, e nos dá de frente com uma realidade que nem sempre se parece com a dos contos.

Essa síndrome afeta principalmente o desenvolvimento e o sistema nervoso das meninas, pois é causada por um problema com um gene encontrado no cromossomo X. Como as mulheres têm dois cromossomos X, o saudável permite que a menina viva. Essa síndrome geralmente não ocorre em crianças pequenas, pois, ao terem somente um cromossomo X nesta etapa, ela causa aborto espontâneo ou morte prematura. Está relacionada a distúrbios do espectro autista. As bebês com Rett geralmente não apresentam sintomas durante vários meses ou até mesmo durante anos. Não há cura. E, embora a expectativa de vida seja longa, precisam de cuidados especiais constantemente.

E lhe perguntamos… bem, não perguntamos, apenas sugerimos que uma vida assim deve ser difícil. «Minha vida com a Sara, você diz? É a maior felicidade que já conheci», respondeu Jaime categoricamente.

A princesa em sua sala de estar

Sara está na sala, tomando café da manhã. Com um sorriso travesso, como se estivesse brincando de encontrar algo escondido no olhar de Carol, a jovem terapeuta de 32 anos, que ajuda Jaime pela manhã e também é quem coordena as terapias com cavalos que Sara realiza em algumas tardes da semana. «Tudo se concentra no olhar», diz Carol, «é muito penetrante, tanto para o bem quanto para o mal. Essa é a sua forma de comunicação».

Sara tem os sinais comuns de uma princesa Rett: o estereótipo, o movimento repetitivo das mãos, como se ela estivesse sempre lavando-as, e às vezes ela a põe a mão inteira na boca, como se não soubesse o que fazer com elas. Sara chegou a Madrid em 2007 após um longo processo de adoção.

A princípio, os pais não perceberam nada. Ela se relacionava com seu entorno como qualquer criança: falava, brincava com as suas bonecas. Mas um belo dia ela deixou de fazer tudo isso, e se trancou em seu mundo.

Seus pais não tiveram um diagnóstico até sete anos depois, graças a uma equipe de pesquisadores de Barcelona. A maior parte dos médicos não conhecem bem a doença de Rett, sendo frequentemente identificada como autismo ou outros distúrbios gerais de desenvolvimento». Às terças-feiras, Sara faz hipoterapia e fisioterapia; às quartas-feiras, musicoterapia, e visita um osteopata a cada duas semanas; nas quintas-feiras, fisioterapia e inúmeras outras atividades. O custo de todas as terapias e tratamentos pode chegar a 1.500 euros por mês.

A escola especial

Vamos com Sara à escola de educação especial Fray Pedro Ponce de León. Neste centro há 122 estudantes no total, de 3 a 21 anos, que são atendidos por 34 professores e 25 profissionais nãodocentes, incluindo fisioterapeutas e pessoal auxiliar e administrativo. Sua diretora, María del Carmen Fernández (Mamen), nos recebe com parte de sua equipe docente e nos mostra as instalações com Sara e Jaime. Vemos o auditório onde costumam realizar dois eventos por ano e outras salas, como as salas de estimulação, onde as crianças se conectam com outras sensações, como a vibração da música em um colchão térmico. Jaime pede a Mamen para que nos mostre o Tobii, um aplicativo de comunicação visual através do qual Sara pode mover o ponteiro do mouse com os olhos. Uma professora coloca um jogo para ela e ela move o ponteiro na tela com os olhos e abre uma figura ou outra. Esse protótipo custa caro e foi cedido à escola para que Sara e seus colegas de classe pudessem usá-lo. «Com o Tobii, uma garota conseguiu expressar que ela gostava de ‘natilla’ de baunilha e não a que sempre lhe davam, com chocolate», diz Jaime com um tom divertido.

O fato de uma princesa Rett conseguir expressar qual é a sua sobremesa favorita não é uma coisa pequena, mas sim um dos maiores avanços e facilidades que as novas tecnologias e as pesquisas científicas podem fazer pelas pessoas com necessidades especiais. Este comunicador foi desenvolvido pela empresa BJAdaptaciones.

A inteligência emocional dos cavalos

Carol, a terapeuta, nos recebe na Finca Venta La Rubia, uma antiga fazenda em Alcorcón. «Trabalhei com uma garota com Rett pela primeira vez 18 anos atrás. Conheço a Sara desde seus seis anos e a terapia com cavalos está fazendo muito bem para ela». A primeira coisa que as crianças sentem ao subir em um cavalo é que a temperatura aumenta um pouco. O cavalo emite um calor muito agradável. E o movimento das pernas faz com que as crianças exercitem ambos os lados do corpo, como se pudessem andar. Hoje, além disso, a Sara exercita os braços com a ajuda de Carol, enquanto escovam o cavalo.

Princesas en busca de una historia con final feliz

Os papais Rett

Faz cinco anos que Jaime participa da associação Mi Princesa Rett. «Lutamos pela pesquisa científica e pelo bem-estar diário das meninas. A maior parte do que arrecadamos vai para as pesquisas científicas, que é o mais caro, e também fornecemos bolsas de estudo para famílias com meninas Rett. São terapias muito caras que uma família de renda média não consegue pagar. Graças ao que arrecadam, 17 meninas Rett recebem bolsas de estudos no valor de 1.200 euros para atividades extracurriculares em diversos lugares da Espanha. «São para hipoterapia, fisioterapia, hidroterapia e musicoterapia», diz Jaime. «Elas são resetadas todos os dias. Tudo o que aprendem esquecem da noite para o dia. Graças às terapias, elas conseguem manter algumas habilidades». Em breve será inaugurado em Madrid um centro de terapias para meninas com Rett e outros tipos de deficiências, graças ao apoio de empresas privadas e doadoras.

Um centro em Villaverde Alto, parecido com o que foi inaugurado em Badajoz, onde foi fundada a associação presidida por Francisco Santiago. Somente em Madrid, há 50 meninas diagnosticadas com Rett e cerca de 3.000 em toda a Espanha. A associação contou com o estímulo e apoio de uma madrinha excepcional, a bailarina Sara Baras, à qual se somaram os atores Dani Rovira e Clara Lago, a Fundación Ochotumbao e a apresentadora Eva González, para citar alguns exemplos. Graças ao que arrecadam com eventos, vendas de calendários e contribuições como a da Fundación MAPFRE, por meio de seu programa Sé Solidario, uma equipe de pesquisa do hospital Sant Joan de Deu, em Barcelona, tenta encontrar uma terapia para meninas com Rett. Se a equipe continua trabalhando é graças ao que as mães e os pais alcançam com seus esforços.

Mais tarde, nos encontramos em Barcelona com um grupo de pais Rett. Era um dia especial. Iam entregar um dos cheques que são entregues diversas vezes durante o ano à equipe de pesquisadores de Barcelona.

Era uma vez… os pesquisadores

Àngels García e Alfonso Oyarzabal são dois dos milhares de pesquisadores que passam horas na sombra dos laboratórios sem que, nem sempre, tenham seus trabalhos reconhecidos. Entramos no único laboratório que busca um tratamento para a doença de Rett na Espanha. Àngels é neuropediatra e Alfonso é bioquímico.

Ángels explica que eles buscam tratamentos partindo dos já existentes e outros novos em combinação com produtos naturais. «Trabalhar na pesquisa de doenças raras é difícil por causa do que não se sabe, mas nos últimos anos tivemos avanços significativos graças ao progresso na compreensão do genoma, e estamos vendo luzes no fim do túnel».

O resultado que eles buscam juntamente com uma pequena equipe, que conta com um técnico de laboratório e um estudante de pós-doutorado, é conseguir uma combinação de medicamentos e suplementos nutricionais que ataquem os mecanismos pelos quais a doença causa danos. Eles não sonham com uma cura a curto prazo, mas sonham com um tratamento precoce que seja adaptado a cada etapa do desenvolvimento da pessoa afetada.

Sem os fundos que a Mi Pricesa Rett consegue, cerca de 50.000 euros por ano, que são injetados principalmente nesta equipe de pesquisa, eles só conseguiriam fazer cerca de 40% do que fazem atualmente. Hoje, os pais Rett vieram entregar um cheque de 20.000 euros, resultado da última arrecadação.

Princesas en busca de una historia con final feliz

O ninar do caminho

Os protagonistas desta história de princesas sabem que ainda há muito a ser contado. Jaime, por exemplo, sabe que pode não encontrar uma cura, mas pelo menos espera que Sara melhore suas habilidades motoras com a ajuda das pesquisas em terapias e tratamentos. E que possa dormir melhor sem sofrer apneias perigosas.

Jaime nos conta, ao nos despedirmos, sobre a roda da felicidade. «Se vejo a Sara feliz, fico feliz, e se ela me vê feliz, ela fica ainda mais feliz, e esse é o final que as princesas merecem»