TEXTO: ISABEL PRESTEL IMAGENS: PLENA INCLUSIÓN

Na Espanha, a federação de entidades de pessoas com deficiência intelectual, a Plena Inclusión, luta há mais de 50 anos pelos direitos das pessoas com deficiência intelectual. Seu diretor, Enrique Galván, nos conta sobre a situação real deste coletivo, seu progresso e seus desafios.

Ao navegar pelo site da Plena Inclusión (www. plenainclusion.org) você descobre uma outra maneira de sentir e viver a deficiência intelectual; sem complexos; com reivindicações e direitos. Direito a uma vida digna, à cidadania plena, com participação na vida social e política: educação, justiça, acesso à moradia, à vida de trabalho… Como a que leva Maria, que trabalha no refeitório de uma escola porque gosta de passar tempo ao lado de crianças. Ou a de Diego, que gosta de trabalhar em um supermercado, onde já fez estágio como repositor e onde seus colegas realmente o apreciam.

E a inclusão desse coletivo como cidadãos plenos é o que esta associação busca com seu trabalho cujos dados falam por si só. Graças às suas 17 federações autônomas, além de Ceuta e Melilla, atendem a 140.000 pessoas com deficiências intelectuais ou de desenvolvimento, o que significa 235.000 familiares atendidos por 900 entidades, nas quais trabalham 4000 profissionais e 8000 voluntários. Estes números são o resultado de 53 anos de trabalho intenso com uma missão clara: «Contribuir, desde um compromisso ético, com ajudas e oportunidades, até que cada pessoa com deficiência intelectual ou de desenvolvimento e seus familiares possa desenvolver seu projeto qualidade de vida, bem como promover a sua inclusão como cidadãos de pleno direito numa sociedade justa e solidária», conforme indicado no seu anuário e website.

Tudo isso com um espírito familiar ligado aos direitos e à promoção de ajudas de qualidade. Foi assim que, pouco a pouco, alcançaram grandes conquistas. Enrique Galván é diretor da Plena Inclusión e nos conta um pouco sobre um dos objetivos alcançados: os concursos para pessoas com deficiência, que são realizados desde 2011. «É uma grande conquista porque supõe uma mudança na mentalidade da administração pública, dos sindicatos, dos companheiros… Levou tanto tempo para alcançálo não porque essas pessoas têm um problema, mas porque no ambiente em que vivem, nos modelos do que pode ser feito e o que não pode ser feito, há um estigma do que significa ser intelectualmente incapacitado. Uma vez superada essa limitação que a sociedade coloca sobre si mesma, descobrimos que eles contribuem como atores, trabalhadores, voluntários nas ONGs…, mas ainda há desafios importantes».

Enrique Galván, diretor da Plena Inclusión Espanha.

O que é a deficiência intelectual?

Para entender do que estamos falando, é interessante saber a que nos referimos quando falamos sobre deficiência intelectual. Segundo o site de Plena Inclusión, a deficiência intelectual «implica uma série de limitações nas habilidades que a pessoa aprende em sua vida cotidiana e que lhe permitem responder a diferentes situações e lugares. A deficiência intelectual se expressa na relação com o entorno. Portanto, depende tanto da pessoa quanto das barreiras ou obstáculos que a cercam. Se alcançarmos um entorno mais fácil e mais acessível, as pessoas com deficiências intelectuais terão menos dificuldades e, portanto, sua deficiência parecerá menor». Por outro lado, insistese que as pessoas com deficiência intelectual tenham, assim como os demais, possibilidades de progredir se receberem o apoio adequado.

Esses cidadãos que deveriam ser de pleno direito são, de acordo com dados do IMSERSO do final de 2015, 268.633 pessoas com deficiência intelectual reconhecida com grau igual ou superior a 33%. Pessoas para as quais a Plena Inclusión pede para que sejam ouvidas no mesmo nível de atenção, direitos e importância que qualquer outra pessoa em assuntos tão simples como educação e moradia, por exemplo. Não buscam apenas uma educação inclusiva, mas também se esforçam para garantir que as pessoas com deficiência não desapareçam do sistema educacional aos 16 ou 17 anos de idade. Em relação à moradia, uma das opções que parece mais interessante é a dos apartamentos tutelados, onde eles podem viver de forma independente e desenvolver um projeto de vida. «Pedimos que a lei reconheça subsídios para uma vida independente. Por exemplo, assistência pessoal em comunidade e não em um alojamento. Uma transição de um sistema muito protetor com um portfólio muito estruturado de serviços para um suporte mais ligado à pessoa», diz Galván.

Com efeito, esta é uma das chaves para o futuro das pessoas com deficiência intelectual em que a Plena Inclusión aposta: «Nós usamos um sistema de planejamento centrado na pessoa, que nos ajuda a focar em seus desejos, competências, aspirações… Antes focava-se em suas limitações, agora os relatórios devem dizer tudo o que a pessoa pode fazer, seu potencial». Nesse sentido, no campo judicial, também estão tentando transformar a incapacidade em capacitação. Enrique Galván: «Estamos trabalhando em um projeto de lei juntamente com o Ministério da Justiça e o qual nos satisfaz. Trata-se de transformar a incapacitação em um sistema de ajudas para a tomada de decisões, em vez de eliminar a capacidade de tomar decisões».

Direito à maternidade

No que diz respeito aos direitos, ainda existem algumas áreas a serem conquistadas, como a da sexualidade e a maternidade. Em particular, a eliminação da esterilização forçada de uma mulher, o que contraria a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. A Plena Inclusión considera essa medida «como uma maneira de aplicar violência ao corpo da mulher sem ela querer». De fato, após a aprovação da reforma eleitoral que permitiu o voto para 100.000 pessoas com deficiência intelectual nas últimas eleições na Espanha, a modificação do Código Penal para proibir a esterilização forçada ou não consensual de pessoas com deficiência é a próxima «luta» legal das associações.

Parece que as perspectivas são boas. No último mês de outubro, os cidadãos registraram no Congresso uma proposta exigindo essa reforma. E o Executivo anunciou em fevereiro sua intenção de criar uma comissão de especialistas com o objetivo de abordar essa tarefa.

“A deficiência intelectual se expressa na relação com o entorno. Portanto, depende tanto da pessoa quanto das barreiras ou obstáculos que a cercam. Se alcançarmos um entorno mais fácil e mais acessível, as pessoas com deficiências intelectuais terão menos dificuldades e, portanto, sua deficiência parecerá menor”

Proteção à infância e adolescência

Outra frente parte da aceitação de que essas pessoas são mais vulneráveis a sofrer maus-tratos. É por isso que, nas palavras de Enrique Galván, «deve haver planos de prevenção com uma carga específica concreta». Precisamente em janeiro passado, a Plena Inclusión apresentou ao Governo uma série de propostas para a modificação do projeto de Lei sobre a Proteção Integral de Crianças e Adolescentes frente a violência, a fim de levar em conta a melhor e maior defesa dos direitos destes menores. Inés de Araoz, do departamento jurídico da confederação, afirma: «Precisamos que a lei atenda nossas demandas porque, atualmente, os números de falta de proteção que possuímos constituem um cenário muito perturbador para as crianças com deficiências intelectuais ou de desenvolvimento e suas famílias».

Galván afirma que «são essas crianças que sofrem mais violência. A mudança na legislação é importante, mas deve ser acompanhada por um aumento da consciência social da gravidade do fenômeno». Para os responsáveis por esta confederação, a futura lei deve incluir medidas nos âmbitos familiar, educacional, social e de saúde que devem ser implementadas de forma coordenada para prevenir, detectar, intervir e apoiar as crianças e suas famílias.

Todas as iniciativas da Plena Inclusión têm um objetivo muito simples: fazer com que as pessoas com deficiências intelectuais encontrem o que todos nós buscamos. Como resume Enrique Galván: «Viver uma vida plena, viajar, trabalhar, entrar em apuros, tomar suas próprias decisões, ou seja, viver a vida como qualquer pessoa».

Plena ciudadanía para
personas con discapacidad
intelectual

Com Juntos Somos Capazes, todos nós ganhamos

Alcançar a inclusão social de pessoas com deficiência intelectual significa também alcançar uma vida profissional que lhes permita desenvolver-se como indivíduos e como profissionais. A Fundación MAPFRE sabe disso e, para torná-lo uma realidade, lançou em 2010 o programa Juntos Somos Capazes, cujo objetivo é «promover a integração laboral de pessoas com deficiência intelectual e doença mental, fomentando as relações entre empresas e entidades sociais a partir de uma abordagem inovadora que permita a integração laboral desse coletivo», como afirmam em seu site.

Ao longo desses nove anos, foram oferecidas bolsas de estudo e estágios em empresas para pessoas pertencentes a esses grupos, para que possam ingressar no mercado de trabalho. Tanto é que mais de 3.504 pessoas com deficiência intelectual e doença mental conseguiram um emprego graças a este programa. Alguns deles são Joel Martínez e Aridai Casas que trabalham no Restaurante Cal Boig de Sabadell, desde 2016 e 2018, respectivamente. E já existem muitos mais como eles.

O sucesso dessa iniciativa tem a ver com o fato de que todos são beneficiados. Em um lado está as empresas, que recebem incentivos financeiros graças a subsídios e ajudas públicas, ao mesmo tempo em que cumprem a estratégia de Responsabilidade Social Corporativa. Por outro lado, os próprios trabalhadores com deficiência intelectual, que conseguem se inserir na sociedade. E, acima de tudo, a sociedade em geral, que alcança um claro sinal de progresso em nossa convivência e nossos valores.