A exposição “Paolo Gasparini. Campo de Imagens”, que a Fundación MAPFRE apresenta em Madrid, depois de passar por Barcelona, pode ser visitada de 1º de junho a 28 de agosto na Sala Recoletos. A exposição faz um percurso completo pelas seis décadas de carreira do artista, e foca tanto em suas fotografias quanto em outro de seus principais meios de expressão, o fotolivro, oferecendo, em seu conjunto, um itinerário por várias cidades em mutação: Caracas, Havana, São Paulo, Cidade do México, mas também com ressonâncias em Munique, Paris, Barcelona, Madrid ou Londres.
TEXTO: ÁREA DE CULTURA DA FUNDACIÓN MAPFRE
Paolo Gasparini nasceu em Gorizia, Itália, em 1934. Para evitar o serviço militar, mudou-se para Caracas em 1954, com uma bagagem cultural que incluía um grande conhecimento do neorrealismo italiano. Parte de sua família já estava na Venezuela, tendo emigrado voluntariamente e, especificamente, seu irmão Graziano, renomado arquiteto que lhe deu sua primeira câmera aos dezessete anos. Inicia então uma intensa atividade como fotógrafo de construções arquitetônicas, ao mesmo tempo em que captura imagens dos subúrbios da capital. Logo começa a trabalhar em projetos da UNESCO, paralelamente ao seu trabalho mais pessoal, que desenvolve na Venezuela e em Cuba. Como resultado desse trabalho, é publicado no México o livro Para verte mejor, América Latina(1972), considerado um dos fotolivros mais emblemáticos da história. Em 1979, foi o primeiro artista latino-americano presente em Les Recontres Internationales de la Photographie de Arlés e, em 1984, com uma nova exposição em Arles, recebeu a medalha de prata do Les Recontres. Em 1993 ganhou o Prêmio Nacional de Fotografia da Venezuela e dois anos depois representou seu país na Bienal de Veneza.
Nas últimas duas décadas, viajou extensivamente pela Europa e América Latina completando séries sobre temas abertos anteriormente e realizou inúmeras exposições em torno de suas fotografias e seus livros, cerca de vinte publicados até hoje.
Andata e ritorno (1953-2016)
Andata e ritorno é o título do fotolivro mais conhecido de Paolo Gasparini, editado em Caracas pela La Cueva Casa Editorial em 2019. Faz alusão, metaforicamente, ao modo de trabalhar do autor, que rompe a temporalidade, ao revisar sua série ao longo do tempo e cria histórias nas quais a América Latina dialoga com outras latitudes e mostra como a sociedade de consumo atinge globalmente.
A publicação trata de Gorizia e Caracas, que é como dizer Itália e Venezuela ou primeiro e terceiro mundo. É composto por setenta fotografias que conectam as realidades de dois mundos aparentemente opostos e ao mesmo tempo esclarecem suas diferenças.

Obra cinética de Jesús Rafael Soto «Progresión a centro
móvil», 1969, Caracas, 1970
Fotomural de nueve copias digitales. 40 x 60 cm
Colecciones Fundación MAPFRE
© Paolo Gasparini
Rostos da Venezuela e Bobare (1956-1960)
Entre 1955 e 1960, Gasparini viaja pela Venezuela, primeiro com seu irmão Graziano, depois com sua esposa, a técnica de laboratório Franca Donda, com quem cruza a fronteira colombiana, atravessa as montanhas andinas e percorre as terras do estado de Lara. Documenta o modo de vida dos camponeses e da comunidade indígena Wayú. Publica Bobare em 1959, «a cidade mais pobre, abandonada e miserável do estado de Lara», segundo suas próprias palavras, sob a influência de um de seus mestres indiscutíveis, Paul Strand, que conheceu na França em 1956.
Este primeiro fotolivro de Gasparini é organizado tomando como referência a estrutura de Un paese (1955), do próprio Strand. Um relatório de denúncia baseado em retratos individuais e familiares, de espaços interiores e fachadas de casas, bem como em textos que descrevem a história da cidade, contada por seus habitantes. A publicação resume o apelo dos moradores ao Presidente da República, Rómulo Betancourt, para que preste atenção a uma cidade que vive pobremente em um lugar desértico.
Entre 1961 e 1965, Gasparini viajou com Franca para Havana, convidado pelo arquiteto Ricardo Porro e pelo escritor Alejo Carpentier. Eles percorrem a cidade e tiram fotos da arquitetura colonial e barroca de Havana, de onde vem a série «Havana, a cidade das colunas» (1961-1963). Lá também passou a representar cenas de rua, concentrações populares, o carnaval e se interessou pelo projeto da escola de artes plásticas da cidade. Ao longo de sua carreira, Gasparini retorna a Cuba em diversas ocasiões, sua experiência é evidenciada nesta reflexão: «[…] a Revolução Cubana, em determinado momento, significou a utopia, a alternativa, a possibilidade de criar o novo homem e foi fotografada nesse sentido. Hoje tomou um rumo que não era o que pensávamos. E isso gera uma grande decepção, amargura e falta de credibilidade para nós».
Estudo Caracas (1967-1970) e Karakarakas, democracia e poder (1967-1970)
Em sua produção, Gasparini articula situações contraditórias, registrando imagens dentro de imagens. Às vezes ele as monta no laboratório e as sobrepõe. Usa a montagem e a edição como um sistema para produzir ideias, e suas narrações tentam motivar a ação e atingir as consciências.
Como não poderia ser de outra forma, Caracas é o centro do mapa na obra de Gasparini e suas obras se relacionam com o triste presente de uma nação em que os contrastes foram aniquilados, para deixar uma ruína e mostrar um falso projeto de bem-estar.
Em 2014, Gasparini publicou o fotolivro Karakarakas, e estruturou a narrativa com fotos de seu arquivo: as primeiras que tirou quando chegou à Venezuela, em 1954, e as imagens das manifestações contra o regime chavista, de 2014. Esse projeto, segundo o próprio autor em seu prefácio, é «uma antologia de experiências de raiva, de velho compromisso, desencanto, mas também poesia» e nas palavras de Sagrario Berti neste fotolivro «[Gasparini] propõe uma reflexão sobre a violação dos direitos civis, violados e transgredidos como política do Estado venezuelano, onde a Constituição de 1999, elaborada por Chávez, continua sendo desonrada».

Mercado de Chinchero, Perú, 1976
Plata en gelatina. 34 x 51 cm
Colecciones Fundación MAPFRE
© Paolo Gasparini
Retromundo (1974-1985)
Retromundo (1986) é um fotolivro em que, auxiliado pela palavra poética, o autor estabelece um diálogo entre o primeiro e o terceiro mundo. O primeiro é representado por imagens de anúncios, slogans, transeuntes em cidades europeias e americanas que se refletem e se multiplicam nas superfícies translúcidas das vitrines. Na representação do terceiro mundo não há reflexos em espelhos ou vidros, mas sim cenas de rua, miséria e pobreza, aspectos comuns nos países latino-americanos. Assim, ao contrapor imagens como se fosse um díptico, Gasparini confirma um modo de fazer que é frequente em sua produção. A criação de um discurso que faz sentido em relação ao seu oposto.
Séries «Aqui, este céu que vemos», 1971-1992; «Brasília, duas em uma», 1972-1973 e 2013; «São Paulo, a morte da aura», 1997, 2013 e 2015; «Maracaibo, La Guajira e petróleo», 1970-2017; «A rua», 1969-1999; e «O faquir da Torre Capriles, Plaza Venezuela, Caracas», 1970.
Em 1978, Gasparini participa dos Colóquios de Fotografia realizados no México e, posteriormente, em Cuba, em 1984. Esses encontros foram o fórum de discussão mais importante da época. As palestras abordaram temas como o papel que o fotógrafo deve assumir em relação ao contexto em que trabalha, bem como a necessidade de criar um projeto visual que mostre as contradições que a convivência entre pobreza e riqueza pode produzir, mas sem cair no drama ou no exotismo.
Nesse sentido, a obra de Gasparini é profundamente respeitosa e mostra os aspectos mais duros da sociedade, a vida dos mineiros e camponeses andinos em séries como «Aqui, este céu que vemos», mas por meio de imagens dotadas de grande dignidade, como as das mães com chapéus com fitas que amarram seus filhos com cobertores feitos à mão depois de longas horas de trabalho no Peru.
Após sua experiência como fotógrafo de arquitetura em Caracas, em 1970, a UNESCO o contratou, juntamente com o crítico de arte Damián Bayón, para fotografar edifícios pré-colombianos, coloniais e contemporâneos no continente, a fim de publicá-los juntamente com a pesquisa de Bayón (Panorama da arquitetura latino-americana). A partir desse trabalho, o autor pôde fotografar desde os projetos urbanos do México até os pampas argentinos, e de Brasília a Machu Picchu. Além disso, como o próprio Gasparini aponta: «Procuro fotografar a vida dos marginalizados, dos que não têm nada, e as grandes diferenças que convivem ao lado e ao redor desses grandes edifícios». Essas contradições e os efeitos injustos da pós-colonização podem ser vistos em séries como «Brasília, duas em uma» (1972-1973 e 2013); «São Paulo, a morte da aura» (1997-2015); «Maracaibo, La Guajira e petróleo» (1970-2017) ou «A rua» (1970-1999). Fotografias que refletem um sólido projeto visual que, como aponta Sagrario Berti, «está longe de vitimizar e, pelo contrário, reflete um ambiente hostil, mas belo em sua poderosa capacidade de resistência», e defende a ideia de que a fotografia deve ser um veículo de denúncia das injustiças sociais, um dos objetivos éticos dos Colóquios mencionados acima.
Uma de suas séries mais reconhecidas é a realizada na Plaza Venezuela em Caracas, coroada pela Torre Capriles, com 60 mil metros quadrados e uma fachada moderna, projetada pelo artista Jesús Rafael Soto. Esse elemento, que transforma o espaço público em arte, torna-se uma metáfora da queda da utopia do progresso. Um morador da rua que colocou sua cama no meio do caminho de quem passa por ali é na verdade o protagonista, e não a torre ou sua fachada.
México-El Suplicante (1971-2015)
Desde 1971, as viagens de Gasparini ao México têm sido tão frequentes que a capital do país quase se tornou sua terceira casa. Após receber o Prêmio Nacional de Fotografia da Venezuela em 1993, foi convidado como pesquisador pela Universidad Autónoma Metropolitana Unidad Iztapalapa, no programa Cultura Urbana da Cidade do México. Desde então, percorreu várias vezes a grande metrópole e fotografou suas ruas e seus habitantes. Com o tempo, essas estadias resultaram em Letanías del polvo (2009), um CD audiovisual que acompanha o fotolivro El suplicante (2010). Com textos de Juan Villoro e do próprio Gasparini, esta publicação conta uma história que começa com a revolução zapatista e se estende ao líder do grupo armado indígena, o subcomandante Marcos.
O anjo da história (1963-2018)
O Anjo da História é um mural de doze metros composto por 63 fotografias tiradas em diferentes países que formam uma visão panorâmica da obra de Gasparini. O título faz uma referência específica ao filósofo Walter Benjamin e sua ideia de história, que, como um anjo, olha para o passado em ruínas para refletir e compreender o entorno e denunciar a inexistência de futuro e progresso.

26 de julio, La Habana, 1961
Plata en gelatina. 51 × 40 cm
Colecciones Fundación MAPFRE
© Paolo Gasparini

La niña de la salina, entre Pampatar y Punta Ballena, Isla de Margarita, Venezuela, 1958
Plata en gelatina. 18 × 14 cm
Colecciones Fundación MAPFRE
© Paolo Gasparini

Miliciano, Trinidad, Cuba, 1961
Plata en gelatina. 51 × 40 cm
Colecciones Fundación MAPFRE
© Paolo Gasparini

Prontuario histórico, Ciudad de México, 1993
Plata en gelatina. 40 × 60 cm
Colecciones Fundación MAPFRE
© Paolo Gasparini

Efectos especiales, Hollywood, Los Ángeles, 1997
Plata en gelatina. 40 × 60 cm
Colecciones Fundación MAPFRE
© Paolo Gasparini

Para verte mejor, América Latina, São Paulo, 1972
Plata en gelatina. 40 × 60 cm
Colecciones Fundación MAPFRE
© Paolo Gasparini