Peter Hujar. À Velocidade da Vida oferece 160 fotografias do fotógrafo americano Peter Hujar desde 1950 até sua morte em Nova York, em 1987. Seus retratos exerceram uma influência chave e transformadora na fotografia da segunda metade do século XX. Pode ser vista até 30 de abril, na Sala Garriga i Nogués de Barcelona.
“Só consigo me expressar através da fotografia”. São palavras de Peter Hujar (Nova Jersey, 1934- Nova York, 1987), artista de caráter reservado, maneiras combativas, curioso e bem-relacionado, estava sempre nos círculos da vanguarda artística, dança, música e apresentações drag alternativas. Sua vida e obra estiveram intimamente vinculadas ao Downtown de Nova York, onde retratou o cenário sociocultural underground, do qual fazia parte, e fotografou artistas e escritores que conhecia e respeitava como Andy Warhol, Susan Sontag o William S. Burroughs, assim com outros personagens anônimos do Downtown.
Interessado na fotografia desde sua infância, Hujar se formou em 1953 na School of Industrial Art e trabalhou como ajudante em vários estúdios fotográficos, onde recebia um pequeno salário. Incentivado por um talher oferecido por Richard Avedon e Marvin Israel, em 1967 iniciou uma carreira breve como fotógrafo freelance para as revistas de moda. Quatro anos depois, decidiu que isso não era o que ele queria e optou, definitivamente, por uma vida de liberdade criativa afastando-se dos circuitos comerciais.
Nova York em preto e branco
Aparte das duas vezes que esteve na Itália (1958‑1959 e 1962‑1963), Hujar viveu durante toda sua vida adulta em Manhattan. Instalado em um loft localizado no cruzamento da rua Doze com a Segunda Avenida, Hujar concentrou seu trabalho no que ele intitulava o “pacote completo”: criadores e atores que, guiados pelos seus instintos, desprezavam qualquer noção convencional de sucesso. Publicou uma monografia, Portraits in Life and Death [Retratos de Vida e Morte] (1976) e realizou oito exposições individuais, que não lhe deram nenhum lucro econômico significante. Diferente de seus contemporâneos, como Diane Arbus e Robert Mapplethorpe, trabalhou na escuridão e raramente pensou em dar explicação sobre seu trabalho ou repensá-lo.
A parte importante de Nova York que interessava a Hujar somente podia ser vista ao anoitecer. Nas primeiras fotografias de Hujar já aparecia a escuridão, porque a subcultura onde ele habitava não havia ainda emergido das sombras. Mas as sombras evoluíram até se converterem, mais tarde, em uma marca do seu estilo e, finalmente, no símbolo da desintegração da cidade e da perda e terror que assolaram sua comunidade na era da AIDS.
Peter Hujar optou por uma vida de liberdade criativa e se distanciou dos circuitos comerciais
Intimidade e calma
Herdeiro da tradição do retrato fotográfico, que retrocede à França do século XIX com Nadar e chega até o século XX através da obra de Irving Penn e Richard Avedon, Hujar consegue retratos que destacam do trabalho dos seus preceptores através da sua prática fotográfica prolongada, próxima e paciente que gera uma atmosfera de intimidade com o retratado. “O que eu faço não é muito diferente do que fazia Julia Margaret Cameron. Ou Matthew Brady (…). Eu componho a foto na câmara (…). Faço a cópia. Tem que ser linda”, explicou.Sua carreira amadureceu paralelamente à cultura gay nos anos que estiveram entre a rebeldia de Stonewall (1969) e a crise de AIDS em meados dos anos 1980. Concretamente, em 1981, Hujar manteve uma relação sentimental breve com o pintor David Wojnarowicz que cresceu até chegar a uma amizade protetora que mudaria a vida de ambos os artistas. Um ano após sua última e eclética exposição, realizada na Gracie Mansion Gallery do East Village nova-iorquino, Hujar foi diagnosticado como portador de AIDS. Morreu no Dia de Ação de Graças, em novembro de 1987. Tinha 47 anos.
Do campo ao coração de Manhattan

Organizado por: Fundación MAPFRE,
Morgan Library & Museum de Nova York.
#expo_peterhujar

Susan Sontag, 1975 The Morgan Library & Museum, The Peter Hujar Collection. Adquirida gracias a The Charina Endowment Fund, 2013.108:1.4 © The Peter Hujar Archive, LLC. Cortesía Pace/MacGill Gallery, Nueva York, y Fraenkel Gallery, San Francisco.
UM RETRATO ONDE A VIDA
E A MORTE SE ENTRELAÇAM
JOEL SMITH*
A essência da sabedoria da imagem fotografada tem raiz em dizer: “Essa é a superfície. Agora pensem – ou melhor, sintam, intuíam – o que existem mais além, como deve ser a realidade se esta é sua aparência”. A fotografia, de uma forma mais estrita, nunca oferece uma interpretação, mas é simplesmente um convite à fantasia e à especulação. Assim foi como se expressou Susan Sontag, em 1973, no primeiro de uma série de ensaios sobre a fotografia, definindo sua herança mais imortal, bem como intelectual na esfera do público. Quando Peter Hujar fotografou a Sontag no seu flat em 1975, o New York Review of Books já tinha publicado mais quatro ensaios. Em dezembro de 1976 (alguns meses antes de que suas reflexões fossem reunidas no livro Sobre a fotografia), Sontag escreveu uma breve introdução monográfica de Hujar Portraits in Life and Death [Retratos de vida e morte].
Vinte e nove criadores de Nova York do momento, todos mais ou menos conhecidos de Hujar, e na maioria dos casos moradores da mesma cidade, ocuparam a primeira parte do livro, nesse circulo intelectual está incluída Sontag, como também William S. Burroughs, John Waters, Robert Wilson e Fran Lebowitz. A seguir, se incluem uma série de fotografias que o próprio Hujar realizou em 1963 (mesmo ano que ele e Sontag se tornam amigos), onde mostram os moradores amortalhados e mumificados das catacumbas de Palermo.
Neste contexto, é compreensível que Sontag dedicasse sua introdução aos vínculos entre a fotografia e a morte. (A formulação que tinha realizado em 1973 já era famosa: “Todas as fotografias são memento mori. Fazer uma fotografia é participar da mortalidade, vulnerabilidade, mutabilidade de outra pessoa ou coisa”. O que poucos leitores sabiam era que
Sontag tinha escrito essa introdução deitada, em um travesseiro de hospital, na noite anterior à sua primeira operação cirúrgica exploratória para extirpar um câncer.
Depois de conhecer as circunstâncias da sua participação no livro e na vida de Hujar, é difícil separá-las da nossa leitura do seu retrato. A pose deitada e o formato quadrado, ambos característicos do trabalho de Hujar, são combinados para produzir um efeito estático que sugere o equivalente fotográfico a uma escultura mortuária: um retrato onde a vida e a morte se entrelaçam. “Exatamente porque separam um momento e o congelam, todas as fotografias testemunham a desapiedada dissolução do tempo”, escreveu Sontag. Hujar aponta, na representação inesquecível da sua amiga, a una forma estética da imortalidade que, no entanto, respeita o meio escolhido por ela e por ele. Fossem quais fossem as dúvidas que Sontag tinha sobre a superficialidade da “sabedoria” fotográfica, o seu era, sob todos os focos, o retrato de uma intelectual. (Geoff Dyer assinalou que “inclusive sua roupa exala inteligência”.) O encontro prolongado entre dois amigos, dois artistas, projeta duas vertentes da palavra “contemplação”: a da escritora (o olhar desviado, sua mente voltada para o interior, seu corpo inclinado demonstrando uma distância auto-imposta diante das atuais circunstâncias), e a do fotógrafo com sua atenção centrada no que acontece diante dos seus olhos, mantendose alerta diante das possibilidades que apresenta cada incidente do gesto, o estado de ânimo ou a luz.
*Joel Smith, curador da exposição Peter Hujar: à Velocidade da Vida, é conservador “Richard L. Menschel” e diretor do Departamento de Fotografia de The Morgan Library & Museum.
- Steel Ruins 13 1976 Gelatina de plata The Morgan Library & Museum, The Peter Hujar Collection. Adquirida gracias a The Charina Endowment Fund, 2013.108:1.67 © The Peter Hujar Archive, LLC. Cortesía Pace/MacGill Gallery, Nueva York, y Fraenkel Gallery, San Francisco.
- Gary in Contortion (1) 1979 Gelatina de plata The Morgan Library & Museum, The Peter Hujar Collection. Adquirida gracias a The Charina Endowment Fund, 2013.108:1.78 © The Peter Hujar Archive, LLC. Cortesía Pace/MacGill Gallery, Nueva York, y Fraenkel Gallery, San Francisco.
- Peggy Lee 1974 Gelatina de plata The Peter Hujar Archive LLC. EPH72 © The Peter Hujar Archive, LLC. Cortesía Pace/MacGill Gallery, Nueva York, y Fraenkel Gallery, San Francisco.
- Mural at Piers 1983 Gelatina de plata The Peter Hujar Archive LLC. EPH5415-1 © The Peter Hujar Archive, LLC. Cortesía Pace/MacGill Gallery, Nueva York, y Fraenkel Gallery, San Francisco.
- Hudson River 1975 Gelatina de plata The Morgan Library & Museum, The Peter Hujar Collection. Adquirida gracias a The Charina Endowment Fund, 2013.108:1.54 © The Peter Hujar Archive, LLC. Cortesía Pace/MacGill Gallery, Nueva York, y Fraenkel Gallery, San Francisco.