Susan Sontag, 1975. The Morgan Library & Museum, The Peter Hujar Collection. Adquirida gracias a The Charina Endowment Fund, 2013.108:1.4 © The Peter Hujar Archive, LLC. Cortesía Pace/MacGill Gallery, Nueva York, y Fraenkel Gallery, San Francisco.

UM RETRATO ONDE A VIDA E A MORTE SE ENTRELAÇAM

JOEL SMITH*

“A essência da sabedoria da imagem fotografada tem raiz em dizer: “Essa é a superfície. Agora pensem – ou melhor, sintam, intuíam – o que existem mais além, como deve ser a realidade se esta é sua aparência”. A fotografia, de uma forma mais estrita, nunca oferece uma interpretação, mas é simplesmente um convite à fantasia e à especulação. Assim foi como se expressou Susan Sontag, em 1973, no primeiro de uma série de ensaios sobre a fotografia, definindo sua herança mais imortal, bem como intelectual na esfera do público. Quando Peter Hujar fotografou a Sontag no seu flat em 1975, o New York Review of Books já tinha publicado mais quatro ensaios. Em dezembro de 1976 (alguns meses antes de que suas reflexões fossem reunidas no livro Sobre a fotografia), Sontag escreveu uma breve introdução monográfica de Hujar Portraits in Life and Death [Retratos de vida e morte].

Vinte e nove criadores de Nova York do momento, todos mais ou menos conhecidos de Hujar, e na maioria dos casos moradores da mesma cidade, ocuparam a primeira parte do livro, nesse circulo intelectual está incluída Sontag, como também William S. Burroughs, John Waters, Robert Wilson e Fran Lebowitz. A seguir, se incluem uma série de fotografias que o próprio Hujar realizou em 1963 (mesmo ano que ele e Sontag se tornam amigos), onde mostram os moradores amortalhados e mumificados das catacumbas de Palermo.

Neste contexto, é compreensível que Sontag dedicasse sua introdução aos vínculos entre a fotografia e a morte. (A formulação que tinha realizado em 1973 já era famosa: “Todas as fotografias são memento mori. Fazer uma fotografia é participar da mortalidade, vulnerabilidade, mutabilidade de outra pessoa ou coisa”. O que poucos leitores sabiam era que Sontag tinha escrito essa introdução deitada, em um travesseiro de hospital, na noite anterior à sua primeira operação cirúrgica exploratória para extirpar um câncer.

Depois de conhecer as circunstâncias da sua participação no livro e na vida de Hujar, é difícil separá-las da nossa leitura do seu retrato. A pose deitada e o formato quadrado, ambos característicos do trabalho de Hujar, são combinados para produzir um efeito estático que sugere o equivalente fotográfico a uma escultura mortuária: um retrato onde a vida e a morte se entrelaçam. “Exatamente porque separam um momento e o congelam, todas as fotografias testemunham a desapiedada dissolução do tempo”, escreveu Sontag. Hujar aponta, na representação inesquecível da sua amiga, a una forma estética da imortalidade que, no entanto, respeita o meio escolhido por ela e por ele.

Fossem quais fossem as dúvidas que Sontag tinha sobre a superficialidade da “sabedoria” fotográfica, o seu era, sob todos os focos, o retrato de uma intelectual. (Geoff Dyer assinalou que “inclusive sua roupa exala inteligência”.) O encontro prolongado entre dois amigos, dois artistas, projeta duas vertentes da palavra “contemplação”: a da escritora (o olhar desviado, sua mente voltada para o interior, seu corpo inclinado demonstrando uma distância auto-imposta diante das atuais circunstâncias), e a do fotógrafo com sua atenção centrada no que acontece diante dos seus olhos, mantendose alerta diante das possibilidades que apresenta cada incidente do gesto, o estado de ânimo ou a luz.

* Joel Smith, curador da exposição Peter Hujar: à Velocidade da Vida, é conservador “Richard L. Menschel” e diretor do Departamento de Fotografia de The Morgan Library & Museum.