Jorge Ribalta. É tudo verdade. Ficções e documentos (1987-2020)

Até 8 de maio de 2022, a exposição Jorge Ribalta. É tudo verdade. Ficções e documentos (1987-2020) pode ser visitada na sala Recoletos da Fundación MAPFRE em Madrid. Esta é a primeira exposição retrospectiva do fotógrafo catalão e abrange a transição de uma fotografia ilusionista de encenação iniciada em 1987 até sua chegada à fotografia documental.MAPFRE Recoletos Hall in Madrid. This is the first retrospective exhibition of the Catalan photographer and shows his transition from staged illusionist photos, which began in 1987, to documentary photography.

TEXT: ÁREA DE CULTURA DA FUNDACIÓN MAPFRE IMAGENS: © JORGE RIBALTA, VEGAP 2022

Jorge Ribalta (Barcelona, 1963) é curador, crítico de arte e fotógrafo, atividades que realiza desde o início de sua carreira nos anos oitenta. Em 2005 sua obra sofre uma mudança radical que a divide em dois períodos distintos, pelo menos em sua concepção. No primeiro, seu trabalho se concentra em explorar poeticamente o naturalismo construído da fotografia, enquanto no segundo reorienta seus projetos para uma reinvenção da fotografia documental.

A primeira exposição de Jorge Ribalta aconteceu na galeria Metrònom em Barcelona no Festival Primavera Fotográfica, em 1988. No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, Ribalta foi várias vezes aos Estados Unidos, principalmente a Nova York e Chicago, e em 1994 organizou sua primeira exposição na Zabriskie Gallery, coincidindo com sua participação na exposição New Photography 10, a influente seleção internacional anual de artistas emergentes organizada por The Museum of Modern Art (MoMA).

No âmbito de seu trabalho como gestor cultural, foi diretor do Departamento de Programas Públicos do MACBA (Museu de Arte Contemporânea de Barcelona) entre 1999 e 2009, e editor de vários livros de fotografia La fotografía en el pensamiento artístico contemporáneo (1997) e The Worker-Photography Movement, 1926-1939 (2011). Também foi colaborador do jornal La Vanguardia, assessor do acervo fotográfico da editora Gustavo Gili e atualmente publica, de forma regular, artigos e ensaios em diversos meios. Sua obra foi vista em inúmeras exposições coletivas, além de exposições monográficas em Madrid, Barcelona, Nova York e Paris, bem como em Salamanca e Cáceres.

#587. Calle Cadena con Sant Josep Oriol, 7 de abril de 2000
587. Calle Cadena com Sant Josep Oriol, 7 de abril de 2000
Da série «La Dalia Blanca», 2000
Cópia em cor tipo C

Cortesia do artista

A exposição “Jorge Ribalta. É tudo verdade. Ficções e documentos (1987-2020)”, leva o título do famoso, mas inacabado documentário de Orson Welles, It’s All True (1941-1943), obra que tem sido objeto de inúmeros debates nas últimas décadas. O projeto compõe a primeira exposição retrospectiva do artista e percorre sua jornada desde a fotografia ilusionista de encenações, iniciada em 1987, até sua chegada à fotografia documental, cujo ponto de partida se deu em 2005 e continua até hoje.

A partir dos grandes conjuntos e com uma lógica seriada, a montagem cronológica da exposição reúne 14 séries de obras realizadas entre o final dos anos 1980 e 2020. Inclui também uma sala de projeção e material documental que oferecem um amplo panorama da obra do artista.

Primeiros trabalhos de encenação (anos 1980 e 1990)

Em 1987, Jorge Ribalta começou a trabalhar em sua primeira encenação com miniaturas em estúdio, um trabalho que durou quinze anos. O resultado foram imagens de pequeno formato com as quais o artista criticava a representação e nas quais encontramos referências veladas à história da fotografia.

As telas fotográficas maiores concentram-se principalmente em rostos, mas nelas também aparecem algumas paisagens, como na série «Ártico» (1991-1996), onde Ribalta cria pela primeira vez uma lógica serial.

Em sua primeira viagem a Chicago, em 1994, visitou o Art Institute of Chicago, onde descobriu os Thorne Rooms, uma coleção de salas em miniatura que representam a história dos estilos decorativos. Depois desta viagem começou a trabalhar em outras séries como «Quartos» (1994-1996) e «Pacífico» (1996).

Em 1997, em Nova York, começou a usar diapositivos coloridos de 35mm para fotografar as encenações e depois filmá-las com uma câmera Super 8mm, o que lhe permitiu criar um efeito de movimento e de passagem do tempo nas imagens. Ele apresentou esses últimos trabalhos em sua exposição ‘Quartos’ e projeções na Galeria Estrany-de la Mota em Barcelona, em 1998, incluindo projeções da Super 8, breves loops de projeção contínua, em cores e preto e branco indistintamente.

Últimas encenações (1999-2004)

O tipo de câmera utilizada, uma de grande formato adaptada, permite que ele fique muito próximo do objeto e aumenta a verossimilidade do assunto fotografado, o que geralmente produz uma estranha sensação de ambiguidade. O espectador nem sempre tem muita consciência do que está vendo, nem mesmo sabe que está diante de uma encenação.

Apesar do desejo de acabar com a encenação, nesse mesmo ano continuou com este tipo de prática e concentrou-se no Bairro Chinês de Barcelona. Reconstrói lugares em processo de desaparecimento, devido à operação urbana que iria mudar definitivamente a fisionomia do lugar, ao mesmo tempo em que faz uma crítica à história urbana. Surge então a série «La Dalia Blanca» (1999-2002), uma de suas poucas obras em cores, que leva o nome de uma floricultura do bairro afetado por essa reforma e que é, ao mesmo tempo, uma referência ao livro Dália Negra, do aclamado romancista policial James Ellroy.

Sua última série baseada em encenação é «Antlitz der Zeit» (2002-2004), uma citação homônima ao livro de August Sander (em português, Rostos do nosso tempo) publicado em 1929 com uma seleção de 60 fotografias e uma introdução ao escritor Alfred Doblin. Já os retratos de Ribalta consistem em um conjunto de «anti-retratos» de celebridades e figuras da mídia de massa, feitos com figuras em miniatura, uma forma de autocrítica da prática fotográfica que ele próprio havia desenvolvido até então.

#587. Calle Cadena con Sant Josep Oriol, 7 de abril de 2000
587. Calle Cadena com Sant Josep Oriol, 7 de abril de 2000
Da série «La Dalia Blanca», 2000
Cópia em cor tipo C
Cortesia do artista

Inflexão, obras em Barcelona (2005-2020)

O ano de 2005 foi um ponto de virada para Ribalta, que começou a fotografar as transformações urbanas de Barcelona. Desde então, um dos eixos de seu trabalho tem sido fazer uma representação crítica da situação da cidade na época posterior ao Fórum Universal das Culturas de 2004, evento que o autor interpreta na história urbana de Barcelona como o fim simbólico do período que começou com o Plano Cerdà de 1860 e que culminou, depois de um século e meio, no famoso «modelo Barcelona» da década de 1990. Estudar a história urbana de Barcelona é sua forma de testemunhar a época.

O núcleo inicial de seus trabalhos sobre a cidade de Barcelona é «Trabalho anônimo» (2005), que capta detalhes de máquinas e ferramentas durante a campanha do bairro de Poblenou para a preservação da última de suas fábricas de metalurgia em Can Ricart; «Sur l’herbe» (2005-2008), que responde a uma observação do público do festival musical Sónar, um dos paradigmas das novas políticas culturais; e «Futurismo» (iniciado em 2005 e ainda em execução). O conjunto destas obras inclui ainda outras, como «Litoral» (2009), sobre o entorno do aeroporto do Prat, e «1888» (2012-2013), que documenta os restos da Exposição Universal de Barcelona de 1888 e seus usos atuais.

Portaherramientas de fresadora Zayer
Porta-ferramentas de fresagem Zayer
Da série «Trabalho anônimo». Iracheta S. L., Can Ricart, Poblenou, junho-julho de 2005
Cópias de prata em gelatina
Cortesia do artista

Trabalhos de campo (2007-2020)

Em 2007, Jorge Ribalta recebeu um convite para fotografar Tarragona no âmbito de um projeto sobre o legado histórico desta cidade, declarada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Daí surgiu «Petit Grand Tour», uma observação dos vários processos, desde o museográfico ao turístico, que se conjugam na produção de discursos sobre o passado e que defendem que a história é uma fabricação.

O autor empreendeu, assim, uma análise e crítica das instituições artísticas e do trabalho cultural. Um desses «trabalhos de campo», como o próprio autor os chama, é «Laocoonte Salvaje» (2010-2011), título retirado de um verso do livro Poema del cante jondo de Federico García Lorca e que é uma crítica ao folclore dominante e à retórica neorrealista nas representações desta arte. Outra delas foi «Scrambling» (2011), realizada na Alhambra de Granada, com a qual pretende representar os mecanismos de produção do monumento, entendido como uma fábrica: os processos segurança, restauração e manutenção, jardinagem e irrigação, marketing e exploração comercial.

Colectivo Flo6x8, comando flamenco anticapitalista, conocido por sus détournements por bulerías en bancos; local de ensayo de Paca La Monea, Sevilla, 1 de octubre de 2010
Colectivo Flo6x8, um comando flamenco anticapitalista, conhecido por seus détournements de bulerías em bancos; local de ensaio de Paca La Monea, Sevilha, 1 de outubro de 2010
Da série «Laocoonte salvaje», 2010-2011
Cópias de prata em gelatina
Produzido com o apoio da Fundación Cajasol (Jerez de la Frontera) para o projeto «Intervalo. Ciclo de arte contemporânea e flamenca», da Fundación Helga de Alvear (Cáceres) e da galeria Casa sin fin (Madrid)

Tragicomédias documentais (2009-2020)

Em 2009, após dez anos de trabalho, Ribalta deixou o cargo de chefe de Programas Públicos do MACBA e iniciou um intenso trabalho curatorial em que a pesquisa histórica adquire grande importância e o trabalho arquivístico lhe oferece um novo olhar sobre o papel da fotografia na arte moderna.

O conjunto em que essa condição atinge sua maior radicalidade é a trilogia dedicada a Carlos V, um símbolo a ser questionado tanto do ponto de vista da história da nação espanhola quanto da lógica imperial-financeira do capitalismo na Europa. Além disso, este trabalho adquire toda a sua relevância e atualidade na Espanha após a abdicação de Juan Carlos I, em 2014, e a crise global que se abre com a grande recessão iniciada em 2007.

Esta trilogia é composta pelas séries «Império (ou K.D.)» (2013-2014), que trata da abdicação e retiro de Carlos V em Yuste; «Renascimento. Cenas de reconversão industrial na bacia mineira Nord-Pas-de-Calais» (2014), na região de Hauts-de-France; e «Faute d’argent» (2016-2020), que é apresentada pela primeira vez nesta exposição. Esta última série, realizada no eixo geográfico Augsburg-Sevilha-México, completa a geografia simbólica do império. As duas primeiras são desenvolvidas na Espanha e resto da Europa, e a última, no já referido eixo Augsburg-Sevilha-México. A série, uma reflexão sobre a relação entre Carlos V e a saga Fugger dos banqueiros alemães, também trata, em um discurso humorístico, da economia da prata e do cacau na colonização da América.

Vendedor ambulante de chocolates Carlos V junto al monumento a Cuauhtémoc, cruce de Reforma e Insurgentes, Ciudad de México, 6 de octubre de 2016
Vendedor ambulante de chocolates Carlos V ao lado do monumento a Cuauhtémoc, cruzamento entre Reforma e Insurgentes, Cidade do México, 6 de outubro de 2016
Da série «Faute d’argent» (Oito peças curtas), 2016-2020
Cópias de prata em gelatina e wallpaper digital
Produzida com o apoio da Fundación MAPFRE (Madrid)
Cortesia do artista
De la serie Imperio (o K.D.)
Da série «Império (ou K.D.)».
Versão editada, 2013-2014
Cópias de prata em gelatina
Produzida com o apoio do Centro José Guerrero (Granada) e da Fundación Helga de Alvear (Cáceres)
Cortesia do artista e da galeria Angels Barcelona
Seth Green / Oz – Scott Evil (doble), 1999-2000
Seth Green / Oz – Scott Evil (duplo), 1999-2000
Da série «Antlitz der Zeit», 2002-2004
Cópia de prata em gelatina
Cortesia do artista
Boris Karloff / Frankenstein, 1931
Boris Karloff / Frankenstein, 1931
Da série «Antlitz der Zeit», 2002-2004
Cópia de prata em gelatina
Cortesia do artista
Figurita en miniatura de la armadura de Carlos V denominada «K.D.
Miniatura da armadura de Carlos V chamada «K.D.», cujo original se encontra no Arsenal Real do Palácio Real, Madrid. As iniciais K. D. eles significam “Karolus Divus”. A armadura original foi feita por Kolman Helmschmid de Augsburg por volta de 1525. Faz parte de uma coleção de miniaturas de armaduras e outros objetos das coleções do Patrimônio Nacional que provavelmente foi comercializada na década de 1970. Estudo, Barcelona, abril de 2020
Da série «Faute d’argent» (Oito peças curtas), 2016-2020
Cópias de prata em gelatina e wallpaper digital
Produzida com o apoio da Fundación MAPFRE (Madrid)
Cortesia do artista
De la serie Johnny (Visita a la tumba de John Heartfield, cementerio de Dorotheenstadt, Chausseestrasse 126, Berlín, 2 de agosto de 2013)
Da série “Johnny(Visita ao túmulo de John Heartfield, Cemitério Dorotheenstadt, Chausseestrasse 126, Berlim, 2 de agosto de 2013)”, 2013
Cópia de prata em gelatina
Cortesia do artista