A sala Recoletos da Fundación MAPFRE em Madri receberá de 23 de setembro de 2022 a 8 de janeiro de 2023, a exposição Ilse Bing, um percurso com quase 200 obras de 1929 ao final dos anos cinquenta, mas na qual Bing abordou uma ampla gama de questões essenciais na linguagem da fotografia.
TEXTO: ÁREA DE CULTURA DA FUNDACIÓN MAPFRE
A fotografia de Ilse Bing (1899-1998) atravessa as décadas centrais do século XX, sendo testemunha das grandes preocupações culturais e artísticas desses anos através de uma visão e concepção da fotografia muito pessol, nas qual a modernidade e a inovação formal caminham lado a lado com uma disposição humanista e uma enérgica consciência social. Alémmdisso, Bing é outro exemplo excelente de uma geração de grandes fotógrafas que, como Berenice Abbott, Nora Dumas e Gisèle Freund, entre outras, conseguiram uma visibilidade e reconhecimento até então negados às mulheres no campo da fotografia.
Ilse Bing (Frankfurt, 1899-Nova York, 1998) nasceu em uma família judaica de classe média. Em 1929, após descobrir sua vocação enquanto preparava as ilustrações para sua tese, deixou a universidade para dedicar-se inteiramente à fotografia. Durante os seguintes trinta anos, ele o faria em uma trajetória artística e vital apaixonante.
Em 1930 se moudou para Paris, onde combinou sua dedicação ao fotojornalismo com seu trabalho pessoal, logo se tornou uma das principais representantes das tendências inovadoras da fotografia que estavam surgindo na efervescência cultural de Paris naquela época. Com o avanço do nazismo, em 1941 ela foi para o exílio em Nova York com seu marido, o pianista Konrad Wolff. Duas décadas depois, aos 60 anos, abandonou seu trabalho como fotógrafa e voltou sua criatividade para as artes plásticas e a poesia até sua morte em 1998.
A obra de Bing não pode ser atribuído a nenhum dos movimentos ou tendências dos quais a artista extraiu. Ela cobriu quase todos os gêneros, desde a fotografia de arquitetura, retrato, autorretrato e objetos cotidianos até paisagem. A diversidade de estilos em que ela o fez reflete sua valiosa e pessoal interpretação das diferentes propostas culturais com as quais interagiu, de Bauhaus e a Nova Objetividade de inspiração alemã ao surrealismo parisiense e o dinamismo implacável da metrópole nova-iorquina.
Dispersa entre numerosas coleções europeias e americanas, a obra de Ilse Bing é trazida para Espanha pela primeira vez nesta exposição de toda sua carreira.
Descobrindo o mundo através de uma câmera: o começo
Acompanhada por sua Leica, Ilse Bing começou a trabalhar em comissões para várias publicações durante os anos da República de Weimar. Durante este período abordou diferentes temas, como o esforço dos trabalhadores, a simplicidad espacial de uma galeria, as linhas orgânicas de um telhado, o movimento das pernas e braços das bailarinas e a arquitetura moderna, que viria a conhecer graças a seu amigo, o arquiteto holandês Mart Stam. Sua visão procurava ângulos inesperados, virando para cima ou para baixo, às vezes, encontrando elementos que passavam desapercebidos, sem valor que eram unidos aleatoriamente, como no caso de Folha morta e bilhete de bonde na calçada, Frankfurt (1929).

Michael Mattis & Judith Hochberg Collection, New York
© Estate of Ilse Bing
Imagem: Jeffrey Sturges
A vida da natureza morta
Ilse Bing sentiu um fascínio precoce por objetos inanimados, natureza morta, cadeiras, jornais, motivos comuns na arte das primeiras três décadas do século XX. O surrealismo foi uma revolução neste tipo de objetos, pois incluiu nas composições um certo ar mágico e de mistério indissolúvel. Os objetos cotidianos de Bing, especialmente os de seu período parisiense, estão impregnados de ar melancólico, quase sonhador. No período de exílio nos Estados Unidos, uma certa aparência de frieza pode ser vista e características formais e simbólicas surgem, como a delimitação da cena capturada.
O corpo dançado e suas circunstâncias
Enquanto vivia na Alemanha, a artista já havia se interessado pelo movimento das bailarinas da escola de Rudolf von Laban, considerado o pai fundador da dança expresionista. Na sua chegada em Paris, foi encarregada de fotografar o museu de cera do Moulin Rouge. Enquanto realizava este projeto, a autora fotografou a vida cotidiana dentro e fora do palco, mas acima de tudo as bailarinas em pleno movimento. Ela captou a vibração da dança, as voltas circulares, a abertura das pernas das bailarinas em perfil. Gestos e poses que chamaram a atenção do fotógrafo e crítico Emmanuel Sougez, que incluiu seu trabalho na revista L’Art Vivant.
Além da série de fotos tiradas do bailarino Gerard Willem van Loon, filho do escritor Hendrik Willem van Loon —destacado mecenas das artes que introduziu a fotografia de Bing nos círculos de galerias e coleções de Nova Iorque—, uma das mais proeminentes foi a que fez do balé L’Errante, do coreógrafo George Balanchine, com cenário e libreto do pintor russo Pavel Chelishchev para a companhia Les Ballets. Um espetáculo no prestigioso Théâtre des Champs-Élysées de Paris, em junho de 1933 e mais tarde em Londres.
Luzes e sombras da arquitetura moderna
Junto a fotografias de fachadas e edifícios algo deteriorados da arquitetura parisiense, Ilse Bing concentrou-se em uma das obras mais emblemáticas da capital, construída para a Exposição Universal de 1889. A Torre Eiffel tinha sido fotografada em 1925 por László Moholy-Nagy, que tanta influência teve sobre Bing, mas a autora não só focou na beleza das formas e na geometria abstrata da construção, mas também no entorno fotografando diferentes alturas do interior.
O mesmo aconteceu com os altos edifícios de Nova Iorque, que fotografou com uma visão distanciada simultaneamente que crítica, pois não faltam, junto à arquitetura vertical, edifícios baixos e humildes, como mostra em Nova Iorque (1936), onde o Empire State Building contrasta com o anúncio em um edifício próximo no que pode ser lido display frames (armações de tela), em um negócio familiar da rua Fulton, ao sul de Manhattan.
A agitação da rua: os anos franceses
Ao chegar em Paris no final de 1930, e apesar de ser uma desconhecida no mundo da fotografia, Ilse Bing conseguiu fazer nome graças às comissões de diferentes revista alemãs e à atenção recebida de críticos, como Emmanuel Sougez. Bing gradualmente tornou-se parte dos círculos artísticos da capital e conheceu a obra de Brassaï, Germaine Krull, Florence Henri, Laure Albin-Guillot, Eli Lotar, Berenice Abbott, Madame d’Ora, Dora Maar e Man Ray, entre outros. Recebeu também comissões de algumas das publicações francesas mais populares da época, como Vu, Voilà, Marianne, Regards, L’Art Vivant, Arts et Métiers Graphiques e Urbanisme. Entre estas colaborações, destaca-se sua pesquisa sobre sopa popular, nas quais documentou um fato social importante. Pouco tempo depois, em 1932, realizou sua primeira exposição individual em Frankfurt e produziu uma de suas fotografias mais importantes: Cartaz de Greta Garbo, Paris.
Neste ambiente, e graças ao convite do já mencionado Hendrik Willem van Loon, Bing teve a oportunidade de conhecer os Países Baixos, visitando lugares como Veere e Amsterdam, onde capturou diversos momentos da vida cotidiana.

Zapatos de noite de lamé dourado [Gold Lamé Evening Shoes], 1935
Galerie Karsten Greve, Saint Moritz / Paris / Colônia
© Estate of Ilse Bing
A sedução da moda
Em novembro de 1933, Ilse Bing começou a colaborar com Harper’s Bazaar graças a sua amiga Daisy Fellowes, educada no mundo da moda e editora da versão francesa da revista. A estrutura de chapéus e luvas cortadas de Bing faz sobressair suas texturas, quase fetiches, com o gosto surrealista, e lhes dá um toque sensual que os faz parecer, ainda mais desejáveis. Durante esses anos, Bing também se associou com a desenhadora Elsa Schiaparelli, para quem trabalhou fotografando alguns de seus perfumes em 1934.
Estados Unidos em duas etapas
Os Estados Unidos foram outro destino importante na carreira de Ilse Bing. Visitou os EUA por primeira vez em 1936. Chegou em uma Nova Iorque cheia de contrastes, entre as enormes dimensões da arquitetura e as condições de vida dos mais desfavorecidos. Conheceu Alfred Stieglitz e expôs na June Rhodes Gallery, mas achou a cidade fria e um pouco inóspita. Tal e como ela mesma assinalou: «as ruas nas que ando não me integram como as de Paris; a arquitetura, com suas proporções desumanas, me faz sentir isolada, por assim o dizer, vivendo em um vazio. Aqui vejo as maravilhas do mundo do interior de uma cápsula espacial».
Sua segunda visita na cidade foi completamente diferente. Chegou em 1942 fugindo da França ocupada pelos nazistas com seu marido, Konrad Wolff, depois de passar quase um ano em campos de concentração. A sensação de apatia, instabilidade econômica e sofrimento depois dos acontecimentos fez com que seu trabalho tivesse seu preço, com imagens que refletem isolamento, fundos escuros, ramos de árvores nuas e sem folhas ou paisagens nevadas e sem alma. Em Nova Iorque, o estilo de Bing foi considerado antiquado e as revistas ilustradas viraram as costas. Então teve que assumir diferentes trabalhos, de retratos encomendados a preparação de cães.
Revelações da autoimagem
Ao longo de sua carreira, Ilse Bing reiterou o exercício do autorretrato, geralmente em interiores, com a intenção de testemunhar momentos específicos de sua existência. Com estas imagens, a primeira realizada aos 14 anos em 1913, a artista estava forjando sua identidade como mulher emancipada e independente em uma época em que isto não era a norma. Não só ela, também outras artistas e fotógrafas se mostraram ao mundo com suas ferramentas de trabalho. Uma de suas imagens mais populares a este respeito é Autorretrato com Leica, de 1931, na qual, através de dois espelhos, seu rosto assume uma dupla dimensão ao olhar através do visor, revelando seu olhar penetrante e inquisitivo.
Retrato do tempo
Além de seus próprios autorretratos, em sua busca para compreender e estudar a psique humana, Ilse Bing começou muito cedo a retratar diferentes indivíduos, especialmente menores, quase sempre por encomenda. Nestes retratos, as crianças estão geralmente brincando ou em atividades de estudo, às vezes, estão acompanhadas por adultos. São retratos delicados, mas refletem o caráter e a personalidade do sujeito, provavelmente aludindo à crença de Bing de que as crianças eram criaturas completas no mesmo nível que os adultos, com suas próprias crenças e preocupações.

International Center of Photography, Nueva York, donaçao de Ilse Bing,
1991 (16.1991)
© Estate of Ilse Bing
Natureza ao vivo
Junto com seu interesse pela arquitetura, Ilse Bing sempre foi atraída pela natureza, tanto a mais selvagem quanto aquelas projetadas e organizadas pela mão do homem, como os jardins de Versalhes. As fotografias tiradas ao ar livre geralmente expressam um ar de calma e equilíbrio, com exceção daquelas em lugares mais selvagens, mais acidentados, como as montanhas do Colorado.
Em 1959, Bing abandonou definitivamente a fotografia em favor da poesia e colagem, após três décadas dedicadas ao meio e muito antes de sua obra adquirir o reconhecimento internacional que mais tarde ganharia.

National Gallery of Art, Washington D. C.,
The Marvin Breckinridge Patterson Fund for Photography (2000.110.1)
© Estate of Ilse Bing

International Center of Photography,
donaçao de Ilse Bing, 1991 (32.1991)
© Estate of Ilse Bing

Galerie Karsten Greve, Saint Moritz / Paris / Colônia
© Estate of Ilse Bing

International Center of Photography, Nova Iorque, donaçao de Ilse Bing, 1991 (17.1991)
© Estate of Ilse Bing

James Hyman Gallery, Londres
© Estate of Ilse Bing

Galerie Berinson, Berlin
© Estate of Ilse Bing