“Para melhorar é necessário questionar tudo”
Luis Bassat é uma das pessoas de mais influência no meio publicitário espanhol. Em sua recente visita a Madri, participou em uma conferência internacional sobre publicidade e automóvel, organizada pela Fundación MAPFRE. Conta, aqui, seu amor pela África, sua paixão pela arte moderna, sua visão sobre a criatividade e seu empenho para alcançar uma igualdade maior entre homens e mulheres.
Texto: Nuria del Olmo. Fotos: Máximo García
Chega atrasado, mas sorridente. Uma história curiosa que aconteceu no hotel explica o atraso e o sorriso. A recepcionista lhe entregou a chave do quarto errado, a do escritor Lluís Bassets. O catalão, nascido em Barcelona e de origem sefardim, percebeu o erro apenas depois de mexer nas gavetas, quase comer umas balas que tinha por ali e colocar uma das suas camisas. Reconhece que adora que aconteçam coisas assim. Com 75 anos de idade, continua sendo o pai da publicidade, e é um gênio criativo. Acredita firmemente que qualquer ideia pode inspirar o melhor anúncio..
A que se dedica agora?
Principalmente à Fundação Carmen e Luis Bassat, a fundação que minha mulher e eu iniciamos há anos, e que ajuda, principalmente, às pessoas mais necessitadas e, a menos que me peça algum amigo, muito pouco à publicidade. Um dos primeiros projetos foi a reconstrução de uma escola, na Guatemala, que tinha sido derrubada por um terremoto. Essa mudança de rumo aconteceu quando nosso filho mais novo, que estudou Medicina e Pediatria, fez uma doação em dinheiro a Moçambique, onde trabalhou por sete anos. Recebemos, nesse ano, uma carta do diretor do hospital. Estava muito grato porque com a doação foi possível construir duas novas salas de parto e instalar água corrente e eletricidade. Nosso foco está em ajudar crianças, na maioria órfãos e doentes, nesse país africano onde existe, além disso, um alto índice de mulheres com AIDS que dão a luz a bebês portadores de HIV, com tuberculoses e desnutrição. Temos muito trabalho por fazer.
O senhor também apoia a arte contemporânea?
Sim, este é outro desafio da Fundação. Acredito que existe, na Espanha o mesmo nível de artistas que, por exemplo, nos Estados Unidos, Inglaterra ou na China, mas não são muito conhecidos. É uma coisa que me interessa e dedico muito tempo, por isso lançamos o Museu de Arte Contemporânea da Catalunha, que não existia. Está localizado no primeiro edifício que Gaudí construiu, em Mataró (Barcelona). Nossas exposições estão protagonizadas, principalmente, por obras provenientes da minha coleção privada.
Uma coleção abrange tanto?
Não me dá vergonha falar que o dinheiro que ganhei, e ganhei muito, está pendurado nas paredes da minha casa, sempre investi em obras de arte. Nunca tive outros hobbies caros. Os barcos caros e carros esportivos não me atraem, meu trabalho me levou a viajar, assim que, quando tinha férias, ficava em casa. Dizem que minha coleção é uma das quatro mais importantes que existem na Catalunha. São 2.500 quadros e 500 esculturas de artistas que gosto muito, que fui adquirindo ao longo dos anos, como Picasso, Miró e Tapies e outros menos conhecidos, como Millares e Saura.
“Os publicitários devem ser capazes de encontrar
o ponto-chave em apenas 20 ou 30 segundos de spot”
Dediquei toda minha vida à publicidade e os carros foram minha paixão, seja para dirigi-los ou para anunciá-los. Existem campanhas fantásticas. Nossa agência em Madri, por exemplo, criou há alguns anos um anúncio genial para divulgar o último navegador do Ford Mondeo. A ideia teve como base a dificuldade que uma pessoa tem para entender as explicações dos conterrâneos, quando se perde em alguma localidade em diferentes pontos da Espanha, e a importância de dispor de um dispositivo que indique o caminho. O anúncio durava um minuto, e você morria de rir, e quase não prestava atenção nas características técnicas do produto. Entre meus anúncios favoritos também está: Você gosta de dirigir?, de Toni Segarra, já o parabenizei várias vezes.
No entanto, o senhor falou algumas vezes que já não se fazem mais bons anúncios.
É verdade. Dediquei muitas horas procurando exemplos que demonstrem isso, nessa conferência. Houve anúncios muito bons até 2007, a partir de então, tudo mudou e ficou muito difícil encontrar campanhas boas. A qualidade está voltando, mas com a crise, a publicidade dos carros foi suspendida completamente, e o mesmo anúncio era repetido todos os anos.
Quais habilidades são necessárias para destacar nessa indústria?
Saber escutar, ler entre as linhas, conseguir entender tudo o que o cliente fala para você, saber fazer as perguntas certas para tentar encontrar o problema, como fazem os bons médicos que escutam o paciente muito atentamente, isto é o mais importante. Os publicitários devem ser capazes de encontrar a questão-chave em apenas 20 ou 30 segundos de spot de tudo o que mais preocupa à marca e, normalmente, são milhares de coisas, o que fará com que o espectador mude de opinião e escolha um determinado produto, quer seja um veículo, um refrigerante ou uma sopa.
O senhor escreveu muito sobre a criatividade, a inovação. O que podemos fazer para trabalhar melhor?
É imprescindível questionar tudo, pensar em como fazemos as coisas e se podemos melhorá-las. Há algum tempo, um aluno me perguntou como poderia ser criativo. Perguntei para ele qual caminho fazia para ir trabalhar, se todos os dias fazia o mesmo percurso. Ele falou que sim. Sugeri que ele saísse de casa 10 minutos antes, escolhesse uma rota diferente e que, todos os dias, durante certo tempo, andasse por uma rua diferente. Tenho certeza de que, se você faz diferentes caminhos, pode chegar a encontrar coisas diferentes. A rotina é o inimigo número um da criatividade.
Em poucasm palavras ESTADO DE ÂNIMO. Muito bom. As coisas saíram muito bem na minha vida e tive gente fantástica ao meu redor.
JOVENS. Aproveitem, porque o tempo é curto.
FELICIDADE. Aquilo que deveríamos sentir todos os dias.
DINHEIRO. Não traz felicidade.
UMA CIDADE. Sou fã de Madri.
DESEMPREGO. Algo contra o que devemos lutar. Não pode existir gente querendo
trabalhar e não poder fazêlo.
FUTEBOL. Gosto muito de assistir.
EDUCAÇÃO. Imprescindível em todas as idades.
HUMOR. Se não tiver, para que se vive?
FAMÍLIA. Importantíssima na minha vida.
LIVRO. O Regresso dos Bassat. São 600 páginas sobre a nossa família.
VIDA SAUDÁVEL. Faço, todos os fins de semana, até 100 quilômetros em bicicleta.
Onde você acha que as marcas espanholas falham?
Acho que está relacionado com a maneira de fazer o anúncio. Nossas marcas poderiam ser tão boas como outras, internacionais. Zara, por exemplo, é uma das mais potentes do mundo, no entanto, a maioria de países, exceto a Espanha, não sabe que é tão influente. Isto acontece com outras marcas, como Freixenet, que poucos sabem que é o vinho espumante mais vendido do mundo. Isto deveria mudar.
E qual é sua opinião sobre a marca Espanha? O senhor foi crítico com este assunto.
Desde a democracia, Espanha tem sido um produto extraordinário. Nossa transição foi um exemplo. Lembro que quando viajávamos, os presidentes de muitas empresas nos parabenizavam. Mas, com a tal crise de 2007, sofreu muito, passamos de ser mais ou menos ricos para pobres como país e, consequentemente, a marca Espanha foi afetada. Eu acho que agora estamos em um bom momento para relançá-la. Estamos saindo da crise e temos governo, capacidade para tomar decisões. Precisamos disso. Devemos lembrar ao mundo que a Espanha é o melhor lugar para vir a passar uns dias.
Continuamos destacando entre os países com a melhor publicidade?
Agora não, mas nos anos 80, chegamos a estar entre os três melhores, ficando atrás dos Estados Unidos e a Inglaterra. Parece que, motivados pela recuperação, voltamos a ter mais visibilidade, a projetar mais alegria e proporcionar boas ideias. Voltei a pensar que, na Espanha, fazemos boa publicidade.
Poderia dar um exemplo?
Eu acho os anúncios das loterias, da ONCE, emocionantes. É uma publicidade mais próxima, que chega, que emociona, como falamos na nossa gíria, e que está longe do desejo excessivo de vender. Você não pode falar para o cliente que repita a compra seis vezes seguidas, ainda que esteja claro que a publicidade tem essa função. Eu acho que, antes de mais nada, deve gerar motivação e paixão. Sobre o preço, falamos no próximo dia..
A propaganda da ONCE, justamente, é merecimento de uma mulher, desses 3% de diretoras criativas que existe no mundo. Em uma profissão em que as mulheres são as principais estudantes, parece chocante que exista uma representação minoritária em cargos de chefia. O que o senhor acha que acontece?
A verdade é que não sei. A mulher tem o mesmo talento criativo que o homem. Trabalhei com profissionais excelentes, e sempre as apoiei. Por que não chegam ao topo? Possivelmente porque, neste setor, a conciliação é complicada. Durante o tempo que tive minha agência, vi muita mulheres que renunciaram à sua carreira porque tinham que cuidar dos filhos. Reconheço que fico indignado pelo fato de elas terem que renunciar a tudo e seus companheiros a nada.
Um dos seus anúncios mais memoráveis esteve focado a conscientizar sobre a importância de não consumir álcool quando se dirige. Mostrava um copo com gelo, álcool e uma mangueira de gasolina. O senhor acredita que a sociedade está mais sensibilizada com relação a este assunto?
Sim, eu acho que a sociedade está mais consciente dos comportamentos que não devem ser permitidos. Esse anúncio mostrava que misturar álcool e gasolina pode matar. Foi encomendado pela Generalitat e tenho certeza de que ajudou a salvar vidas. Possivelmente, é o mais importe que já fiz.
Na Fundación MAPFRE, dedicamos muitos esforços para informar sobre as consequências de infringir as normas de circulação, a promover a educação viária. Que mensagens o senhor reforçaria para que uma campanha de comunicação de trânsito fosse mais eficaz?
Destacaria algo em que acredito sinceramente, mas é contraditório para a publicidade. A propaganda para evitar acidentes de trânsito é muito boa, mas a penalização não é suficiente. As pessoas pensariam duas vezes antes de passar um semáforo em vermelho se a multa pela infração fosse de 10.000 euros ou se perdessem a carta de dirigir. Os delitos se pagam.
