«Ajudar os outros é uma das poucas coisas que possuem sentido na vida»
TEXTO: NURIA DEL OLMO. @NDELOLM074 FOTOGRAFIA: MÁXIMO GARCÍA
É um ativista da segurança viária e, como tal, retorna ao campo de batalha. Seu objetivo é claro, reduzir os acidentes de trânsito e posicionar a Espanha como referência em segurança viária em todo o mundo. Também aumentar a conscientização e explicar o drama social que envolve pisar no acelerador, falar ao telefone e tomar uma bebida ao dirigir.
São cinco da tarde na sede da DGT, em Madrid. Pere Navarro (Barcelona, 1952) nos recebe em seu escritório, no segundo andar de um prédio onde estão localizados os serviços centrais desta entidade, uma das instituições espanholas com maior reputação. Conversamos sobre o vício em dispositivos móveis, sobre seu trabalho no Marrocos, sobre seu retorno à Espanha. Ele reconhece que não encontra nenhum lugar que lhe apeteça viver mais do que o seu. Admite que aqui os cidadãos são incríveis, solidários e entendem a importância de reduzir a velocidade e a necessidade de existir uma carteira de motorista com pontos. Ele admite que, ao contrário de outros países, os espanhóis respondem quando as coisas lhes são bem explicadas.
Você está retornando a um cargo que ocupou de 2004 a 2012. No que se dedicou durante esse tempo?
Saí da Espanha. Eu tive que escolher entre Paris ou Rabat e levei três segundos para escolher o Marrocos, onde vivi por quase quatro anos. Lá trabalhei como conselheiro na embaixada, assumindo as questões que afetam os espanhóis que emigraram para Tanger e Casablanca depois da Guerra Civil e agora estão em uma situação vulnerável. Sair é algo que recomendo a todos. Adaptar-se a uma cultura diferente faz com que você questione muitas coisas que nunca considerou antes. Isso é importante. No Marrocos há um costume que eu gosto. Primeiro pergunta-se às pessoas sobre sua família e sua saúde e, em seguida, pede-se permissão para lhe enviar um e-mail. Perguntar sobre trabalho é malvisto. Agora, já de volta, lembro dessa etapa com muita felicidade.

São muitas as pessoas que sentiram sua falta e que aplaudiram sua nomeação. Você está ciente de que muitos se lembram de você como o melhor Diretor de Trânsito?
Como você encarou o retorno? Com muita pressão. O desempenho passado não garante o presente. Voltei porque acredito que posso ajudar, porque acho que posso ser útil. Faz parte da minha filosofia. Na vida há poucas coisas que fazem sentido e uma delas é a capacidade de ajudar os outros. Se você acha que pode contribuir, é quase obrigado a aceitar o desafio.
Após a sua saída, a instituição, uma das mais reputadas do país, não conseguiu reduzir as vítimas mortais e a curva de mortalidade voltou a subir. Nos últimos anos, as vítimas na estrada aumentaram. Por que você acha que isso ocorreu?
Atualmente há quase 900 mil guardas civis de trânsito a menos em circulação e os controles de alcoolemia foram bastante reduzidos. Já sabemos que quanto mais presença policial menos acidentes ocorrem e, portanto, há menos vítimas. O problema fundamental é que o sentimento de impunidade aumentou. A segurança viária é uma equação na qual intervêm quatro fatores: treinamento, informação, vigilância e controle. Estes dois últimos são fundamentais. Acredito no que a União Europeia afirma. O cumprimento das leis de trânsito é a maneira mais eficaz de reduzir acidentes e vítimas. Nesse sentido, os países com melhores resultados são aqueles que possuem sistemas de autoridade mais eficazes. Se deixam de vigiar, as pessoas aceleram mais e bebem mais. Também tem sido anos complicados, de crise, onde claramente houve outras prioridades na agenda política. E isso tem seu reflexo.
Como você acredita que essa tendência pode ser mudada?
Primeiro, abrindo o debate, porque, como eu disse antes, devemos colocar essa questão de volta na agenda política. Em segundo lugar, devemos destacar o papel desempenhado pela sociedade civil, que é decisivo, e terceiro, tomar algumas medidas, que é o que dá credibilidade a um Governo, ao discurso político. Na Espanha temos muitos problemas, mas são poucos os que causam 1.830 mortes e 9.500 feridos graves. Que outra situação deixa um rastro de sangue similar? Daqui a um ano, ninguém explicará como pudemos viver com esse nível de sofrimento.
Uma de suas primeiras decisões foi revisar a velocidade. Com quais reações você se deparou?
A verdade é que tivemos uma surpresa agradável. Acredito que tudo se deve porque explicamos bem as razões pelas quais propusemos mudanças e isso fez com que os cidadãos entendessem e aceitassem-nas de maneira razoável. 75% dos acidentes fatais ocorrem em estradas secundárias e cerca da metade deles ocorrem devido a saídas da estrada, o que significa que há um excesso de velocidade. A Espanha foi o único país da UE onde os limites de 100 e 90 km/h eram estabelecidos dependendo da existência ou não de acostamentos e quase não havia nenhum país europeu, exceto a Polônia e a Romênia, onde se permitia circular a 100 km/h neste tipo de estradas. Mais uma vez, se você explicar, os cidadãos respondem.
Foi estabelecida uma carteira de motorista com pontos, o que certamente supôs um antes e um depois na política de segurança viária. Você acha que perdeu a eficácia?
A carteira de motorista com pontos foi estabelecida em julho de 2006, o que significa que é necessário atualizála. É isso que pretendemos fazer agora, porque, entre outras coisas, não existia WhatsApp naquela época, e agora existe e é um problema, é importante penalizar seu uso. Também vamos penalizar mais o fato de não utilizar o cinto de segurança e não usar capacete, e vamos simplificar aspectos que têm a ver com a recuperação dos pontos, desde que nenhuma infração seja cometida por dois anos consecutivos. Acredito que a carteira com pontos foi uma grande mudança porque, pela primeira vez, o motorista é diretamente responsável por seu comportamento ao volante. É a figura que gerencia seus pontos e isso, em geral, é bem avaliado.
Sua estreia começa com campanhas de conscientização. Por que você acha que são necessárias?
Acho que dormimos no ponto. Nos últimos quatro anos os acidentes e as vítimas aumentaram, o que nos obriga a dar um toque de atenção e explicar o drama de um acidente. A sociedade deve reagir e estar ciente. A campanha deste ano é voltada especialmente para os jovens, a quem queremos transmitir as consequências de acabar com a vida de uma pessoa por infringir as leis. As mensagens são claras e revelam situações reais: você não será capaz de olhar no espelho, você vai acabar no tribunal, você pode ir para a prisão e você certamente terá um registro criminal. Queremos que a sociedade chegue à conclusão de que não vale a pena arriscar.
«Na Espanha temos muitos problemas, mas são poucos os que causam 1.830 mortes e 9.500 feridos graves. Que outra situação deixa um rastro de sangue similar? Daqui a um ano, ninguém explicará como pudemos viver com esse nível de sofrimento»
Vocês irão endurecer as penalidades pelo uso do celular ao volante. Aumentar as multas e reduzir pontos é suficiente?
O celular é um problema social, embora seja verdade que ele tenha um impacto direto na segurança viária. As pessoas ainda pensam que o álcool é a primeira causa de acidentes, mas a verdade é que desde 2016 são as distrações, o excesso de velocidade ou velocidade inadequada e o consumo de álcool. Nesse sentido, estamos focando em educar, informar e conscientizar, bem como elevar as penalidades para o uso do celular ao volante, que é um problema no qual todos devemos nos envolver, desde a sociedade até os operadores e fabricantes. Eu conheci pessoas que ficam sem celular uma vez por semana. Já estão dando passos para lutar contra essa dependência.
Você também faz isso?
A verdade é que não. Sempre que esqueço meu telefone, eu volto para pegá-lo. Meu trabalho exige isso de mim. Claro, quando eu dirijo, eu ativo o modo carro. Ambas as mãos devem estar ao volante. Também não defendo o uso de telas e o fato de poder programar o navegador com o veículo em movimento. É uma questão que nos preocupa. Comprovamos que depois de um minuto e meio falando ao celular (mesmo com as mãos livres), o motorista não percebe 40% dos sinais, o ritmo cardíaco acelera e demora mais para reagir.
Muitos atropelamentos são causados pelo álcool e sempre retornamos ao mesmo debate. Você acredita que o código penal pune esse comportamento muito levemente?
Creio que não. Demos um salto imenso ao introduzir a condução com taxas de alcoolemia como um delito no Código Penal. É verdade que estamos revisando alguns que têm a ver com o paradoxo que ocorre com a proibição de vender álcool aos jovens e o fato de que eles podem dirigir com uma taxa de 0,15. Existe uma proposta de lei, ainda não aprovada pelo Congresso, instando o governo a reforçar o compromisso de tolerância zero de álcool em menores de 18 anos.
Você se preocupa muito com a violência viária.
É uma questão séria, sem dúvida, porque é um tipo de violência que afeta pessoas que fazem tudo o que está ao seu alcance para serem motoristas responsáveis e que se deparam com pessoas que não são assim. O caso mais claro é a pessoa que sai para correr ou andar de bicicleta em uma manhã de domingo e encontra um motorista que ainda não foi dormir, que dirige em velocidade excessiva e causa um acidente. Dá uma certa ideia do drama por trás de um acidente de trânsito. As vítimas reclamam que chamamos esse tipo de situação de acidente e eles estão certos. Isso não é acidental. Se uma pessoa dirige a 200 quilômetros por hora ou consumiu álcool, ela sabe o que pode acontecer.
«Acho que dormimos no ponto. Nos últimos quatro anos os acidentes e as vítimas aumentaram e é necessário um toque de atenção. Temos que explicar o drama de um acidente com campanhas fortes para que a sociedade reaja»
Como podemos cumprir com a visão zero?
Nós passamos a vida toda culpando o motorista. Se bebe, se não usa o cinto, se dirige mais rápido do que o permitido… O interessante da visão zero é que parte da ideia de que às vezes as pessoas bebem e pisam no acelerador. Nós, engenheiros, também temos responsabilidade, com os veículos e infraestruturas que projetamos, aqui e ao redor do mundo. Em suma, tratase de repensar, compartilhar responsabilidades e, acima de tudo, propor, entre todos, soluções que contribuam para a redução de acidentes.

Há cada vez mais usuários de bicicletas e patinetes. Como esses usuários serão abordados na nova normativa em que estão trabalhando?
Um texto que propõe algumas ideias básicas. Exigirá a este tipo de veículos um certificado, uma homologação; a calçada é um espaço sagrado, somente para os pedestres; limitará seu uso em certos tipos de vias, deixando claro que não podem circular nas estradas; e os incluirá no Regulamento de Veículos, o que permitirá regular outros aspectos importantes, como o consumo de álcool e o uso de fones de ouvido, por exemplo.
Como podemos descongestionar o trânsito nas cidades?
Nas cidades existe uma lei estatística que é a do 80/20, o que significa que 20% das ruas suportam 80% do tráfego e 80% das ruas suportam 20% do tráfego. Nosso desafio é acalmar o trânsito, fazer com que nessas estradas circulem a 30 km/h para que assim o pedestre possa conviver com a bicicleta, com as motos e carros, garantir a entrada e a saída da cidade e evitar que os carros circulem todo o dia pelo centro. É o modelo que estamos buscando, e isso levará a menos veículos. Em breve conheceremos o táxi compartilhado.
E na América Latina? Quais são os desafios?
O primeiro desafio é que esses países tenham instituições, sejam agências ou organizações competentes, com capacidade para implementar os planos de segurança viária elaborados pelos governos. O segundo objetivo é promover a vigilância e o controle do cumprimento das normas, uma vez que acreditamos que o procedimento sancionatório é deficiente nestes momentos e existe uma grande sensação de impunidade. Não colocar e não cobrar multas nos países da região é essencial para a segurança viária, assim como melhorar as infraestruturas e limitar as importações de veículos com mais de cinco anos de uso. Os motoristas também merecem atenção especial, sobretudo na Colômbia, Peru, Equador e Costa Rica, onde o número de acidentes aumentou e precisam de campanhas de conscientização para evitar riscos. A boa notícia é que grandes progressos estão sendo feitos na educação sobre segurança viária e os programas estão funcionando muito bem.