Perfis muito humanos na era dos robôs

As habilidades sociais são postuladas como chaves para o sucesso em um ambiente de trabalho dominado pela tecnologia.

TEXTO: RAMÓN OLIVER      FOTOS: THINKSTOCK

O desenvolvimento tecnológico e as consequentes mudanças nos modelos de negócios fazem da adaptação permanente das habilidades profissionais das pessoas um elemento fundamental para poder participar com sucesso no mercado de trabalho. Além disso, as pessoas que não estão dispostas a fazer esse esforço estão condenadas a ficar para trás». É uma das conclusões do relatório The future of work: jobs and skills in 2030,  uma pesquisa realizada em fevereiro de 2014 pela Comissão para o Emprego e Habilidades do governo do Reino Unido.

É uma das muitas vozes do planeta, embora seja uma das poucas que o fazem a partir do governo de uma nação, que de todos os pontos do planeta alertam sobre o panorama laboral que podemos esperar nos próximos anos. Outro relatório recente, Revolução das Competências. A digitalização e por que as competências e os talentos são importantes, realizado a nível internacional pelo ManpowerGroup entre 18 mil executivos de 43 países, revelou que três líderes empresariais em cada quatro pensam que a automatização exigirá novas habilidades nos próximos dois anos. «Não podemos diminuir a velocidade do progresso tecnológico ou da globalização, mas podemos investir nas habilidades dos funcionários para aumentar a resistência de nossas equipes e organizações», argumentou neste mesmo trabalho Jonas Prising, presidente e CEO da multinacional de estratégia de talento.

Perspectivas com luzes e sombras nas quais a revolução tecnológica sem precedentes que presenciamos desempenha um papel fundamental. Todos estão cientes que os novos ambientes digitais são aqueles que levam o bolo em termos de geração de emprego globalmente, ou que áreas como a segurança cibernética, big data, Internet das coisas, inteligência artificial ou machine learning se posicionam como a necessidade mais urgente para as empresas quando se trata de encontrar profissionais qualificados. É claro que, no meio da revolução digital, as tecnologias emergentes são as que marcam o ritmo do emprego nas próximas décadas.

Emprego para amantes das letras

Matemáticos, estatísticos e programadores, atualmente, lideram as ofertas de trabalho. «Não há profissionais suficientemente qualificados para cobrir a demanda e, enquanto isso, a oferta continua a crescer sem parar», diz Noelia de Lucas, diretora comercial da Hays. Uma realidade que confirma Francisco Ruíz Antón, diretor de Políticas Públicas do Google, «As grandes empresas fazem fila para contratar os graduados em engenharia de software; elas levam todos, e não há o suficiente».

Mas nem o mercado de trabalho se reduz ao setor das tecnologias da informação, nem todos os perfis profissionais podem ser provenientes desses ramos técnicos. O que acontece com os perfis de orientação humanista? Historiadores, jornalistas, filólogos, filósofos, documentalistas, graduados em artes plásticas. Qual é a função reservada para esses profissionais nesta mudança de ciclo? Eles deveriam ser reciclados ou estão irremediavelmente condenados à extinção, como aconteceu há alguns anos com o desaparecimento da carreira de Filosofia e Letras em algumas universidades espanholas? Bem, pelo contrário, os especialistas acreditam que, paradoxalmente, as carreiras das letras estão mais vivas do que nunca nesta nova era tecnológica.

«É claro que as humanidades terão um lugar nesta nova realidade de trabalho! E um lugar muito importante!», assegura, categórico, Santiago García, co-fundador do Future for Work Institute. «As grandes empresas voltam-se cada vez mais para esses perfis porque, no final, todas essas aplicações tecnológicas serão usadas pelas pessoas e seu sucesso depende de serem projetadas com seus destinatários em mente. E os perfis humanistas são aqueles que conhecem melhor os mecanismos que mobilizam o comportamento das pessoas», argumenta ele.

Amber Wigmore, diretora executiva da Talento & e de carreiras na IE Business School, também está convencida de que os perfis de humanidades têm muito a dizer nesses ambientes. «Uma crescente tendência de trabalho é a geração de equipes multidisciplinares, composta por profissionais de diferentes áreas do conhecimento, incluindo as humanidades. Com isso, as empresas procuram uma visão mais global dos desafios que enfrentam. Pode-se dizer que as humanidades são fundamentais para entender o mundo atual. Os profissionais que estudaram essas disciplinas geralmente fornecem um pensamento crítico valioso que acabará trazendo benefícios à empresa para a qual trabalham», comenta.

Na mesma linha, Fernando Botella, CEO da Think & Action, enfatiza que, em ecossistemas empresariais altamente competitivos, nos quais as organizações requerem inovação contínua, os perfis de letras fornecem um elemento diferencial: «a capacidade de contemplar a realidade de uma maneira desacostumada. Não é mais uma questão de estar mais preparado do que um engenheiro ou um físico, mas de poder ver as coisas de maneira diferente. Um profissional humanista é capaz de questionar o óbvio, e isso é fundamental para o pensamento e a inovação».

Uma visão necessária

Um carro autônomo que não precisa de motorista circula em uma estrada quando um pedestre atravessa seu caminho. Não há tempo material para frear, de modo que o computador que controla o veículo deve decidir em décimos de segundo se atropela o pedestre ou se desvia para evitá-lo, com o consequente risco de causar danos aos seus próprios passageiros ou a outras pessoas circulam em carros próximos.  Este dilema já está na mesa dos desenvolvedores de veículos autônomos. E não será o único. «Próteses inteligentes, nanotecnologias, inteligência artificial, alguns usos tecnológicos abrem um universo de implicações éticas, até então desconhecidas, devido ao impacto que terão na sociedade. E os perfis humanistas poderão dar uma contribuição importante», diz Santiago García.

Os avanços tecnológicos também estão assumindo uma profunda transformação nos ambientes de trabalho. Mudam-se as formas de trabalhar, mudam-se as motivações e muda-se a própria concepção do trabalho. Fórmulas como o teletrabalho, a flexibilidade horária, o trabalho por objetivos, por projetos ou uma força de trabalho em que profissionais freelance têm cada vez mais peso, mudam gradualmente conceitos como o contrato fixo. «O emprego para toda a vida já não existe», diz Francisco Ruíz Antón. Hoje, as pessoas estão no centro da equação e, lembra Santiago García, «a competitividade das empresas depende da capacidade de atrair e reter os melhores talentos». Mas também, explica o co-fundador do Future for Work Institute, de que durante esse tempo que dedicam ao trabalho, eles dão o melhor de si mesmos. «E os profissionais de humanidades ajudam a alcançar ambientes de trabalho onde as pessoas executam o máximo», diz ele.

Gigantes de tecnologia como o Google entenderam muito bem esta realidade. Seu diretor de Recursos Humanos a nível mundial, Laszlo Bock, já avançou quando, em uma entrevista recente ao New York Times, afirmou que «o histórico acadêmico dos candidatos é inútil». Francisco Ruíz Antón, do Google Espanha, não é tão radical, embora acredite que os critérios de contratação mudaram radicalmente. «Nós percebemos que certas habilidades cognitivas, como a empatia, habilidades de liderança, iniciativa, comunicação e criatividade, muitas vezes são mais importantes do que ter experiência específica ou treinamento para o cargo. Uma vez que as pessoas que atendem a essas características, em pouco tempo, poderão realizar a tarefa para a qual querem contratá-las».

Serão essas habilidades, mais do que habilidades puramente digitais, as que permitirão que os perfis mais atrasados não sejam deixados para trás? De acordo com Fernando Botella, existem três competências que, nos próximos anos, serão absolutamente fundamentais para melhorar a empregabilidade das pessoas. «O primeiro é o pensamento disruptivo. Não basta destilar energia criativa; hoje é necessário gerar diferenças reais, oferecer benefícios que outros não possuem, sair da normalidade. A segunda é a capacidade de conectar talentos. Hoje em dia precisa-se da ajuda de outros, tanto dentro como fora da organização, para passar coisas que realmente agregam valor. E para isso você precisa ter uma mente aberta e colaborativa. Finalmente, uma excelente execução é essencial. Existem empresas em que a produtividade é absolutamente fundamental, portanto, um elemento-chave é ter pessoas capazes de desempenhar suas tarefas excelentemente».

Em um mercado cada vez mais global e interconectado, os norte-americanos crescem como um grande campo de provas de modelos bem sucedidos que, com cada vez mais velocidade, acabam atravessando o oceano e implantando-se na Europa. Antonio Núñez, sócio-diretor da Parangon Partners e presidente do Alumni Harvard Kennedy School, destaca como os profissionais anglo-saxões estão «cada vez mais focados em projetos específicos e menos comprometidos com uma empresa específica a longo prazo. Há um auge de profissionais freelance e uma certa “uberização” da força de trabalho».

Produtividade + pessoas

Não se trata de ter alguns profissionais melhores do que outros. A nível diretivo, Noelia de Lucas pensa que está evoluindo para perfis que combinam o melhor dos dois mundos. «Tende-se a um estilo de liderança que não perca de vista os KPIs, a produtividade e os benefícios da empresa, mas que, ao mesmo tempo, tenha inteligência emocional suficiente para controlar o impulso das motivações de sua equipe”, resume a diretora da Hays. Essa hibridação também é necessária nos níveis inferiores. E se exigirá um esforço por parte de todos. «Os humanistas têm que tentar entender melhor a tecnologia, e os tecnólogos devem fazer o mesmo para entender melhor as pessoas. O perfil de um mero especialista já não é suficiente», diz Santiago García.

A formação desempenha um papel importante em todo esse processo. «A crescente importância da tecnologia e do universo digital obriga o trabalhador atual a se tornar cada vez mais consciente desses ambientes e plataformas», diz Amber Wigmore. Noelia de Lucas sugere construir pontes para facilitar esse trânsito. «Assim como na década de 1990 se proliferaram os cursos e mestrados em finanças para não financeiros, agora é necessário desenvolver habilidades digitais para não técnicos».

Por sua parte, Santiago García, solicita uma atualização na maneira de adquirir essas capacidades. Formatos como gamificação, role-play, moocs  ou a autoaprendizagem são protagonistas nos novos territórios de aprendizagem marcados pela velocidade da mudança. «As empresas precisam de agilidade para responder a este mundo em contínua transformação e, consequentemente, exigem que seus trabalhadores sejam, por sua vez, ágeis. E talvez a maneira de inculcar agilidade ou autonomia não seja através dos cursos clássicos de formação, mas em fórmulas que incluam em si mesmas essas capacidades».

Apesar disso, Amber Wigmore não duvida que a formação ainda seja o melhor investimento para garantir uma carreira futura. Claro, uma formação adaptada a uma realidade socioeconômica em transformação contínua. «O trabalhador deve continuar sua formação ao longo de sua carreira, contemplando a atualização e aquisição de conhecimentos como aliados indispensáveis para tornar seus sonhos de trabalho realidade», resume a chefe da área de talentos na IE Business School.

Que venham os robôs!

No início do século XIX, um grupo de artesãos ingleses conhecidos como ludistas se dedicaram a destruir os teares industriais que chegaram, segundo eles, para destruir seus meios de subsistência. No início do século XIX, um grupo de artesãos ingleses conhecidos como ludistas se dedicaram a destruir os teares industriais que chegaram, segundo eles, para destruir seus meios de subsistência. Os especialistas, no entanto, preferem fugir dos alarmismos. No estudo do ManpowerGroup, é indicado, por exemplo, que a tecnologia substituirá as tarefas de rotina manual e cognitiva, de maneira que as pessoas poderão optar por tarefas não rotineiras e mais gratificantes. «A criatividade, a inteligência emocional e a flexibilidade cognitiva», continua o relatório, «são as habilidades que explorarão o potencial humano e permitirão que as pessoas melhorem os robôs, em vez de serem substituídos por eles».

Ruiz Antón também não acredita que há razões objetivas para se desesperar. «Qualquer mudança gera incerteza, mas robotização, diz o diretor do Google, mais do que empregos, o que permitirá é substituir e agilizar tarefas. Talvez uma máquina possa chegar ao diagnóstico de um paciente com mais precisão e rapidez, mas a criatividade, o cuidado e o carinho de um médico ou enfermeiro jamais poderão ser substituídos».

A diversidade agrega valor às empresas

A Fundación  Mapfre  promove o acesso ao mercado de trabalho através do seu Programa Social de Emprego, um projeto que inclui diferentes iniciativas voltadas para diferentes grupos, cada um com suas necessidades e características especiais, mas todos com o objetivo comum de incorporar-se e contribuir com o valor do mercado de trabalho. Os programas Juntos Somos Capazes, cujo objetivo é a integração de pessoas com deficiência intelectual e doenças mentais; ‘Descubre la FP’, focado em desenvolver ao máximo as possibilidades da Formação Profissional como meio de acesso ao emprego, ou os diferentes Auxílios de Contratação, focados em ajudar os grupos especialmente vulneráveis a conseguir seu primeiro emprego, fazem parte desse projeto ambicioso. 

A digitalização progressiva dos ambientes de trabalho, juntamente com o surgimento de modelos de trabalho novos, mais flexíveis e ‘deslocalizados’, abrem novos desafios e possibilidades em todas essas áreas de ação. Um dos mais complexos é, sem dúvida, o da deficiência. Juntos Somos Capazes tornou-se o programa de referência na Espanha para a inserção de pessoas com deficiência intelectual e/ou doença mental, uma plataforma dinâmica e intermediária entre a rede empresarial e as entidades associativas que representam e lutam pelos direitos dessas pessoas.

Adaptação recíproca

Que papel desempenha o mundo da deficiência na atual revolução tecnológica? Para Daniel Restrepo, diretor da área de Ação Social da Fundación MAPFRE, os avanços tecnológicos atuais representam uma ótima oportunidade para promover a normalização e a integração real. «Por exemplo, a Fundación MAPFRE desenvolveu o app Soy Cappaz, um aplicativo que permite que pessoas com deficiência intelectual possam levar uma vida independente, especialmente no local de trabalho, e melhorem sua autonomia e integração profissional». Entre outras funcionalidades, este aplicativo ajuda os usuários a lembrar de compromissos e tarefas, bem como facilitar sua mobilidade, orientando-os para chegar no destino desejado sem se perder. 

«Juntos Somos Capazes não só é importante porque funciona com um grupo particularmente vulnerável, mas porque o emprego é a melhor ferramenta de integração. Trata-se de dar a essas pessoas a oportunidade de demonstrar suas habilidades e aptidões como uma peça mais do capital humano da empresa à qual estão incorporadas», diz Restrepo. A partir da Fundación  Mapfre lembramos que a diversidade agrega valor à sociedade e também às empresas.  Sob esta premissa, a integração dos grupos mais vulneráveis, em grande parte, elimina uma série de barreiras que estão muitas vezes «mais na mente das pessoas do que na realidade», acrescenta o responsável pela Área de Ação Social. Todos somos diferentes, temos capacidades diferentes e fornecemos valores complementares.