O novo Centro de Fotografia KBr Fundación MAPFRE de Barcelona abre suas portas com a primeira retrospectiva realizada na Espanha sobre Bill Brandt (Hamburgo, 1904-Londres, 1983). Um artista talvez menos conhecido do que outros de seus contemporâneos como, por exemplo, Henri Cartier-Bresson ou Walker Evans, mas que atualmente é considerado um dos fotógrafos britânicos mais influentes do século XX.
Suas imagens, que exploram a sociedade, a paisagem e a literatura inglesas são essenciais para entender a história da fotografia e até a vida britânica em meados do século XX. Bill Brandt se encontra, portanto, entre os visionários que baseiam o potencial criativo do meio na contemplação do mundo que os rodeia. Existem dois aspectos que permeiam toda a sua obra. Por um lado, a eliminação de toda e qualquer referência às suas raízes alemãs após se estabelecer em Londres em 1934; uma ocultação devido à crescente animosidade contra os alemães que se seguiu à ascensão do nazismo. Por outro lado, a condição do «sinistro», termo usado por Sigmund Freud em 1919 e com o qual Brandt estava mais do que familiarizado depois de passar por sessões de psicanálise durante sua juventude em Viena.
Partindo dessas ideias, a exposição percorre, através de 186 fotografias do próprio Bill Brandt, os principais âmbitos de sua produção visual, que engloba todos os gêneros da disciplina fotográfica: reportagem social, retratos, nus artísticos e paisagens. Da mesma forma, destaca a relação da obra do fotógrafo britânico com as teorias do surrealismo, movimento com o qual entrou em contato durante sua estada em Paris na década de 1930.
1. Primeiras fotografias
Depois de iniciar sua incursão pela fotografia em Viena, onde fez o famoso retrato do poeta Ezra Pound em 1928, Bill Brandt foi a Paris para trabalhar como assistente, por um curto período de tempo, no estúdio de Man Ray, o que o levou a se misturar com o ambiente surrealista da capital francesa, o que permeará toda a sua obra a partir de então. Esta influência, junto com a de seu admirado Eugène Atget, fotógrafo que documentou a «velha Paris» e para quem a Fundación MAPFRE também dedicou uma exposição em 2011, resultou em imagens onde o inquietante já aparecia: cenas de rua e das noites parisienses são alguns dos motivos mais frequentes das imagens do artista durante este período.
Junto com sua companheira e futura esposa Eva Boros, fez inúmeras viagens às estepes húngaras, à sua cidade natal Hamburgo e à Espanha, onde visitou Madrid e Barcelona, antes de se mudar para Londres em 1934. Foi nesta cidade que Brandt se desfez de suas raízes alemãs, inventando um nascimento britânico e criando um corpus artístico em que o Reino Unido está no centro de sua identidade. Ele começou, então, a retratar um país que, na época, apresentava grandes desigualdades sociais.

2. Altos e baixos
Em fevereiro de 1936, dois anos após a sua chegada em Londres, Bill Brandt publicou seu primeiro livro, The English at Home.
As cenas contidas no livro, apesar de parecerem espontâneas e naturais, foram previamente preparadas. Para esta primeira publicação, Brandt usa um formato alongado, semelhante ao de um álbum, e adota uma das fórmulas de design mais utilizadas pelas publicações gráficas da Europa Central: a união de opostos em busca de contrastes significativos entre cada par de fotografias. O artista busca a oposição entre duas classes sociais opostas, desenvolvendo dois discursos narrativos em paralelo, mas sem misturá-los. Assim, encontramos cenas de famílias da classe alta caminhando ou jantando alternadas com as mesmas atividades, mas sendo realizadas por famílias da classe trabalhadora.
Com o início da Segunda Guerra Mundial, Brandt passou a trabalhar para o Ministério da Informação e realizou duas de suas séries mais renomadas: por um lado, uma série formada por fotografias de centenários londrinos dormindo em estações de metrô convertidas em abrigos improvisados; e, por outro, as da superfície da cidade, uma Londres fantasmagórica, sem outra iluminação a não ser a da luz da lua como medida de proteção contra bombardeios. O Reino Unido havia se tornado um só país contra o inimigo. As diferenças de classe que Brandt havia retratado foram deixadas para trás para dar lugar a esse outro tipo de cena que denunciava os estragos e a devastação da guerra sobre a população civil.
3. Retratos
Depois de ter feito vários retratos no início de sua carreira, a partir da década de 1940 – período em que trabalhou para revistas como Picture Post, Liliput e Harper’s Bazaar – Bill Brandt aborda este gênero de forma profissional. Alguns deles representaram uma ruptura com a tradição, como os retratos publicados pela já mencionada Lilliput em 1941, ilustrando o artigo «Young Poets of Democracy», que incluía alguns dos rostos mais representativos dos escritores e poetas da Geração Auden. Mais tarde, Brandt começou a distorcer o espaço, como pode ser visto no retrato de Francis Bacon em Primrose, Londres (1963), e criou uma nova série de retratos de olhos de artistas, com uma clara inspiração surrealista: os olhos de Henry Moore, Georges Braque e Antoni Tàpies, apenas para citar alguns dos olhares que transformaram a forma de ver e representar o mundo.

© Bill Brandt / Bill Brandt Archive Ltd.
4. Paisagens descritas
Após mergulhar nos retratos – que nunca deixou de realizar – Bill Brandt introduziu as paisagens em seu repertório. Assim, completou a temática clássica do que convencionalmente são considerados gêneros artísticos tradicionais.
Para o artista, a concepção da paisagem está arraigada tanto na pintura e na tradição fotográfica quanto na literatura. A maior parte de suas fotografias deste gênero estão reunidas em Literary Britain, 1951, uma publicação composta por mais de cem imagens inspiradas em autores clássicos ingleses como Jane Austen, Charles Dickens e Anthony Trollope, acompanhadas por trechos de textos literários destes mesmos escritores. Nestas imagens, o fotógrafo procurou introduzir uma atmosfera que desafiasse o espectador e suscitasse uma resposta emocional com uma clara intenção pósromântica. Nesse sentido, daria a sensação de que Brandt não quer simplesmente representar um lugar, mas captar seu espírito em uma só imagem.
5. Nus artísticos
Quando Bill Brandt voltou a realizar nus artísticos em 1944, após uma incursão insatisfatória antes da guerra, ele parecia sentir a necessidade de retornar a um tipo de imagem mais poética. É preciso lembrar que este gênero é um dos temas clássicos da pintura e, como tal, marca a evolução de Brandt desde o documentarismo até a consideração social de «artista».
Nessa evolução, ele utilizou uma antiga câmera com uma lente ‘wide angle’ que produzia uma sensação de grande espacialidade e profundidade a fim de transformar o espaço cotidiano de um quarto em um entorno onírico. Na década de 1950, Brandt visita as praias do Canal da Mancha para fazer uma série de retratos do pintor Georges Braque. A visão das praias pedregosas o fez mudar de direção e começar a fotografar pedras e partes do corpo feminino como se tratasse dessas mesmas pedras. Ele uniu carne e rocha, calor e frio, dureza e morbidez em um mesmo discurso formal. Muitas vezes as distorções são tais que os fragmentos do corpo perdem toda a referência e, ainda assim, geram sensações mais poéticas e mais profundas. Esses «fragmentos» do corpo em comparação ou em comunhão com as formas da natureza parecem encarnar formas primordiais pelas quais se pode perceber “a totalidade do mundo”, como acontece com as urformen enunciadas pela Escola Gestalt e sua teoria da percepção.

6. Elogio da imperfeição
Na introdução de Camera in London, seu livro sobre a capital britânica publicado em 1948, Bill Brandt ressaltou: «Considero essencial que o fotógrafo faça suas próprias cópias e ampliações. O efeito final da imagem depende em grande parte dessas operações, e somente o fotógrafo sabe o que pretende no final». Para o artista, o trabalho em laboratório era fundamental e, no início da carreira, aprendeu toda uma gama de técnicas artesanais: do aumento à ampliação, o uso de pincéis, raspadores ou outras ferramentas. Esses retoques manuais às vezes conferiam às suas fotografias aquele aspecto um tanto grosseiro, que pode ser associado ao já citado conceito freudiano de unheimlich: «o sinistro». Em muitas delas, as pinceladas de aquarela preta na superfície podem ser apreciadas em detalhes. Outro exemplo que pode ser mencionado é Top Withens, West Riding, Yorkshire (1945), realizada como parte de seu livro Literary Britain, onde há claros indícios de que o céu tempestuoso, que dá um aspecto mais ameaçador à paisagem, foi adicionado posteriormente em laboratório, o que afeta aquele aspecto de ocultação que permeia toda a vida e obra de Bill Brandt.
