Carrie Mae Weems. Uma grande volta do possível

Desde el 6 de octubre de 2022 y hasta el 15 de enero de 2023, podrá verse en el Centro de Fotografía KBr Fundación MAPFRE en Barcelona la exposición sobre la artista multidisciplinar, Carrie Mae Weems (Oregón, 1953). La muestra hace un recorrido cronológico por toda su trayectoria y subraya la forma en que Weems aborda la fotografía como una adelantada a su tiempo, proyectando sus imágenes hacia el futuro con un incansable sentimiento de esperanza.

TEXTO: ÁREA DE CULTURA DA FUNDACIÓN MAPFRE
IMAGENS: © CARRIE MAE WEEMS, CORTESIA JACK SHAINMAN GALLERY, NEW YORK
E GALERIE BARBARA THUMM, BERLIN

Desde que iniciou sua carreira no início dos anos 1980, Carrie Mae Weems (Oregon, 1953) tem dedicado seu trabalho a reformular a identidade da comunidade afro-americana e das mulheres, bem como explorar os mecanismos que se escondem por trás do poder, de quem o detém e sobre quem éexercido. Suas obras, que se concentram na fotografia, mas que ultrapassam os limites do meio e vão da performance ao vídeo e à instalação, apenas para citar algumas disciplinas, são permeadas por um senso de luta contra a injustiça e a violência com a esperança de fazer deste um mundo melhor.

Desde sua primeira série Family Pictures & Stories (1978-1984), Weems questiona a história e a visibilidade ou invisibilidade daqueles que contribuíram para sua construção ao tentar subverter, reconfigurar e influenciar o discurso dominante. Nesse sentido, usou dos estereótipos raciais, sexuais e políticos para expressar uma profunda crítica ao sistema e à própria prática artística. A obra de Weems transcende o particular e reflete sobre um passado complexo que se projeta com esperança no futuro e que conecta diferentes gerações. Em muitas de suas obras, a artista se apresenta como uma nova narradora da história, às vezes literalmente, ao se fotografar nas cenas, de costas, como uma personagem anônima, uma mulher, um corpo negro presente/ausente em uma atitude performativa que a acompanhou ao longo de sua trajetória, desde que estudou dança no início de sua carreira.

A exposição Carrie Mae Weems. Uma grande volta do possível, organizada pela Fundación MAPFRE em colaboração com a Foto Colectania e Württembergischer Kunstverein Stuttgart, faz uma viagem cronológica e temática através de suas séries, algumas das quais podem ser vistas na sede da Foto Colectania, como Kitchen Table (1990), e A 22 Million very Tired and Very Angry People (1991). Além disso, o MACBA (Museu d’Art Contemporani de Barcelona) receberá a instalação Lincoln, Lonnie and me (2012), por ocasião desta exposição.

Family Pictures and Stories (1978-1984), Ain’t Jokin’ (1987-1988), American Icons (1988-1989)

Realizada entre 1978-1984, Family Pictures and Stories foi o trabalho de graduação de Carrie Mae Weems em 1984. É composta por uma dezena de fotografias de sua família e das pessoas que cercam a artista em seu cotidiano. Com essas imagens, Weems tenta oferecer um novo ponto de vista sobre o dia a dia, a identidade, tanto sua quanto da comunidade afro-americana. Essa intenção tem sua continuação em Ain’t Jokin’ (1987-1988) e em American Icons (1988-1989). Se na primeira a autora usa as piadas, ridicularizações e comentários habitualmente depreciativos aos quais as pessoas de cor costumam ser submetidas e os usa de forma sarcástica e como crítica para mostrar uma realidade habitual, na segunda, escolhe objetos como saleiros, pimenteiros ou baldes de gelo em forma de pessoas de cor do setor de serviços, que fez muito sucesso nos Estados Unidos, para falar sobre preconceito.

Sem título (Mulher com filha), da série Kitchen Table, 1990

Colored People (1989-1990/2019), From Here I Saw What Happenned And I Cried (1995-1996)

Uma das obras mais emblemáticas de Carrie Mae Weems, Colored People, é apresentada em sua versão de 2019 e é composta por fotografias de jovens e crianças afro-americanas —a esperança para o futuro—, que a artista posteriormente tingiu de amarelo, azul e magenta. O resultado são belas imagens, mas com um significado complexo. Os matizes fazem alusão aos vários tons de «negros» e chamam a atenção para o racismo hierárquico em torno dessas questões, segundo as quais uma pessoa de cor é «melhor» de acordo com a claridade de sua pele. Mas, sem dúvida, sua profunda investigação sobre o racismo atinge seus níveis mais altos na série From Here I Saw What Happenned And I Cried (1995-1996). Esta obra, essencial no discurso expositivo e apresentada agora pela segunda vez em toda a Europa, trata de estereótipos e versa sobre o uso do corpo das pessoas de cor, desde tempos remotos, para fins científicos e antropológicos, e que por isso deixaram ser corpos para se tornarem objetos. Com essa preocupação como base, Weems percorre alguns dos personagens mais emblemáticos da comunidade negra que lutaram pela liberdade e por sua identidade. São trinta e três imagens extraídas principalmente de um arquivo de daguerreótipos de 1850 escravos africanos na Carolina do Sul. Esses retratos foram encomendados por um cientista de Harvard para provar sua teoria de que os negros eram uma raça inferior e os homens e mulheres retratados nus da cintura para cima ou completamente nus eram apenas espécimes. Todas as imagens são pintadas de vermelho e azul e nelas a autora adicionou frases descritivas como «Tipo preto», «Você é um perfil científico», etc.

A obra é tanto uma acusação da fotografia como aliada da escravidão quanto uma homenagem àqueles que perderam suas vidas, seus corpos e seus rostos e foram «recipientes» das ofensas cometidas ao longo da história contra a comunidade negra em nome da ciência.

Not Manet’s Type (2010), Framed By Modernism (1997), Museums (2006)

estas séries Weems esquadrinha a própria história da arte e sua tentativa de criar modelos universalistas nos quais todos deveríamos nos encaixar. Em Framed By Modernism, feita em colaboração com o pintor Robert Colescott, Weems entra na obra de arte para denunciar o fato de que o corpo da mulher negra nunca foi o escolhido pela história da arte como modelo, comparado ao corpo branco. Not Manet’s Type convida o espectador a espiar o próprio quarto de Weems e contemplar seu corpo de forma voyeurística para denunciar com frases afiadas —que ela coloca embaixo da fotografia e que remetem a grandes artistas como Picasso, Willem de Kooning o Marcel Duchamp—, como a história da arte, mais uma vez, deixou de lado os criadores negros e especificamente as mulheres.

Este tipo de denúncia se repete em Museums (2006), desta vez dirigida contra as próprias instituições culturais. Esta última série introduz uma angústia muito palpável no espaço: uma musa enigmática, que supomos ser a própria artista, caminha pelo espaço vestida de preto e sempre de costas. A figura humana é ofuscada pela grande arquitetura que compõe o British Museum, a Galleria Nazionale D’Arte Moderna e o Philadelphia Museum, diante da qual caminha calmamente, talvez porque depois de muito tempo se sinta acolhida nessas quase igrejas da arte.

Slave Coast (1993), Africa Series (1993), Sea Islands (1991-1992), Africa: Gems & Jewels (1993-2009)

Essas obras abordam a arquitetura como um lugar da diáspora africana, em torno do tráfico de escravos africanos através do Oceano Atlântico, o legado de uma África como lugar comum. Em Slave Coast, Weems retrata a arquitetura de adobe em torno das Cidades Antigas de Djenné, no Mali. Algumas construções desoladas que dialogam com as da série Africa, 1993. Com uma linguagem poética, Weems invoca o tráfico de escravos com uma visão livre de sentimentalismo em Sea Islands. A artista se interessou pela cultura Gullah das ilhas da Geórgia e Carolina do Sul enquanto estudava folclore na Universidade da Califórnia. Os Gullah são um grupo distinto de afro-americanos que conseguiram preservar sua herança cultural africana e manter uma língua crioula semelhante à de Serra Leoa. Ao mostrar esse tipo de detalhe, Weems nos apresenta uma herança cultural persistente e desconhecida que foi eliminada do que chamamos de «discurso dominante». Quase cinquenta anos depois, Weems abordará Africa: Gems & Jewels, onde se concentrará em diferentes personagens, principalmente jovens que hoje vivem nesses mesmos lugares.

Garota amarela dourada, da série Untitled (Colored People), 2019

Constructing History (2008), Heave: A Case Study Room (2022), The Push, The Call, The Scream, The Dream (2020), All The Boys (2016)

Constructing History: A Requiem to Mark the Moment (2008) é uma investigação que Weems iniciou em 2008 juntamente com seus alunos do Savannah College of Art and Design em que recriaram diferentes momentos de violência política do passado. Os alunos «encenaram» assim, alguns dos assassinatos mais emblemáticos de políticos como John F. Kennedy, Malcolm X, Martin Luther King e Benazir Bhutto. Em 2018, como continuação desse trabalho e frente às hostilidades que continuavam acontecendo no mundo e especificamente nos Estados Unidos contra a comunidade negra, Weems continuou abordando e combatendo crimes de ódio e extremismo em Heave: Part I-A Case Study (A Quiet Place) (2018) e Heave: Part II, que recriou hoje para o KBr. Em Heave, cujo título parece evocar a cadência da respiração, Weems revisa a incessante violência sistêmica e estrutural contra os negros americanos, usando referências que vão desde os Panteras Negras até a arte tradicional africana, incluindo também obras de artistas contemporâneos que a artista admira e que dedicaram sua práxis a explorar a subjetividade negra. Esta «sala», está repleta de objetos pertencentes à esfera cotidiana dos norte-americanos que denotam violência estrutural. Como ela mesma aponta: «Não abordo constantemente a história da violência porque quero, mas porque realmente me sinto compelida a fazê-lo. Minha formação, minha cultura, meus problemas junto com a cor da minha pele, a forma como sempre fui marcada ao longo do tempo me obriga a fazê-lo de alguma forma».

All The Boys (2016) repete o estereótipo por excelência da juventude negra masculina —um jovem negro com capuz— que aparece em um díptico junto a uma ficha criminal, quase idêntica em tamanho ao retrato do homem cujo rosto foi violentamente apagado… por causa dos preconceitos acumulados sobre ele. Por sua vez, The Push, The Call, The Scream, foi originalmente criado em resposta à morte de John Lewis, líder dos direitos civis nos Estados Unidos. Este trabalho foca, sobretudo, em momentos coletivos de protesto, luto e ação. Como forma de recontextualizar e seguir seu costumeiro gosto pela apropriação, Weems utiliza fotografias históricas de 1963 da marcha contra a segregação racial das crianças de Birmingham, Alabama, e do funeral do ativista dos direitos civis Medgar Evens, assassinado pelo White Citizens’ Council. Algumas das fotografias, parecidas com as de Colored people, mas em rosa e azul, evocam delicadeza e cuidado, e traçam uma linha que une o passado e o presente para que o espectador possa confrontar o momento histórico que está vivenciando.

Slow Fade to Black (2009-2010), Blue Notes (2014-1015)

Em Slow Fade to Black, Weems apresenta uma série de políticos e artistas afro-americanos do século XX, figuras públicas, cantores de jazz, escritores e dançarinas como Josephine Baker. Uma vez que Weems tira uma foto da imagem original, ela as altera, e neste caso as desfoca, para chamar a atenção para o desaparecimento da memória desses indivíduos na memória coletiva. Este método de trabalho também é usado em Blue Notes, onde continua o trabalho iniciado em Colored People e All the Boys.
No desejo de continuar trabalhando a identidade, Blue Notes também nos mostra diferentes indivíduos de cor pertencentes à cultura popular, como é o caso do pintor Jean Michel-Basquiat, neste caso com o rosto riscado por sólidos blocos de cor. O «vandalismo» que Carrie exerce sobre seu próprio trabalho permite ao espectador refletir e criticar ao mesmo tempo a escassa presença de artistas negros na história americana.

A beira do tempo. Roma Antiga, da série Roaming, 2006

Roaming (2006)

Com um longo vestido preto que identificamos como a musa da artista, como mencionamos anteriormente, Weems reflete sobre a experiência humana em Roaming, criada durante sua estada na Academia Americana em Roma. Weems usa seu próprio corpo para conduzir o espectador pelo espaço e incentivá-lo a participar dessa peregrinação contemplativa por alguns dos lugares mais emblemáticos da capital italiana. Sobre a figura da musa, Weems declarou: «Esta mulher pode representar a mim e a ti; te conduzir à história, é testemunha e guia». Estas fotografias, nas quais a autora aparece diante de alguns dos monumentos marcantes da nossa história, evocam uma sólida sensação de passagem do tempo, bem como a insignificância do ser humano perante os grandiosos monumentos que o rodeiam. O interesse de Weems em como a arquitetura civil e eclesiástica e edifícios quase espectrais podem controlar os indivíduos, se torna muito evidente aqui.

Guggenheim Bilbao,
da série Museums, 2006
Garoto negro azul, da série Untitled (Colored People), 2019
Alguns diziam que você era a verdadeira cara do mal, da série From here I saw what
happened and I cried, 1995-1996
Mahalia, da série The Push de Call the Scream the Dream, 2010
Você se tornou um sussurro, um símbolo de uma jornada poderosa, e com o suor do seu rosto você trabalhou para si mesmo, para sua família e para os demais, da série From here I saw what happened and I cried, 1995-1996
Slow Fade to Black (Josephine Baker), da série Slow Fade to Black, 2009-2011