De 15 de fevereiro a 14 de maio de 2023, o projeto vencedor da primeira edição do KBr Photo Award poderá ser visitado no Centro de fotografia KBr de Barcelona: a obra da fotógrafa russo-americana Anastasia Samoylova. Realizado em diferentes cidades do mundo, constitui um estudo visual da integração cada vez mais estreita entre a imagem fotográfica e o ambiente urbano.
TEXTO: VICTORIA DEL VAL
Anastasia Samoylova nasceu em 1984 em Moscou, onde formou-se mestra em Design Ambiental pela Universidade Estatal de Humanidades da Rússia. Em 2008 mudou-se para os Estados Unidos para continuar sua formação e, em 2011, concluiu um mestrado em Estudos Artísticos Interdisciplinares na Bradley University.
Desde seus primeiros projetos, Breakfasts e Landscape Sublime – séries iniciadas em 2013 e ainda em andamento –, é possível ver como a composição das imagens para Samoylova é algo minuciosamente calculado, e como a colagem e a sobreposição de elementos são essenciais para obter o resultado que procura. Como ela mesma aponta, a influência de pintores da vanguarda russa, como Natalia Goncharova ou Liubov Popova, foi muito importante na hora de representar a natureza e suas manifestações. Com efeito, observamos que, nas fotografias de Landscape Sublime, a perspectiva se rompe para uma linguagem que poderíamos chamar de cubista, formas geométricas e planos de cor se acumulam e se sucedem, materiais se sobrepõem nas colagens visuais que criam essas paisagens, categorizados pela autora com base em seus temas: montanhas, tempestades, florestas, falésias, raios, etc.
Trata-se de um processo de trabalho marcadamente manual e artesanal, no qual imagens anônimas e isentas de direitos, encontradas na internet, são impressas, recortadas, coladas, montadas e levadas ao tridimensional para voltar ao bidimensional quando fotografadas. No processo de criação dessas estruturas efêmeras, pode-se apreciar a habilidade adquirida por Samoylova em sua formação universitária, já que para seus projetos acadêmicos ela mesma tinha que fabricar suas maquetes.
Para além do formal e da conexão com questões centrais da estética da arte como a natureza ou o sublime, surgem aqui abordagens relacionadas com o próprio uso da fotografia e a sua capacidade de moldar a nossa percepção da realidade. Ao longo de toda a série está presente a tensão entre o natural e o artificial, entre a fotografia anônima e a autoral, entre a paisagem natural e a natureza morta, entre as imagens diretas (straight) e as construídas.

© Anastasia Samoylova
O trabalho seguinte de Samoylova, FloodZone, representa uma continuação de algumas destas questões, mas também uma mudança de rumo, pois trata-se de um projeto em que a autora sai de seu estúdio para fotografar no exterior. Através de suas caminhadas pela cidade de Miami, ela se torna – e nos torna – consciente da dupla face da realidade na vida desta cidade e, com ela, das contradições inerentes à sociedade gerada por um capitalismo feroz.
Por um lado, nos apresenta um ambiente paradisíaco, mas que experimentou um crescimento e um boom da especulação imobiliária sem freios e sem limites; por outro, retrata um lugar que está literalmente afundando —uma metáfora, talvez. As imagens do projeto nos mostram o lado menos atraente desta cidade: garagens inundadas, árvores caídas, conjuntos habitacionais alagados, juntamente com anúncios e outdoors de promoções de obras em andamento, uma promessa de felicidade futura que parece ultrapassada e fracassada de antemão. Aqui também notamos esse jeito muito particular que Samoylova tem de construir as imagens e que veremos também em obras posteriores, especialmente em Image Cities: jogos de reflexos, sobreposição de formas geométricas e planos de cor. Este projeto foi publicado em livro pela editora Steidl em 2019, ao que se seguiram exposições no History Miami Museum, no Chrysler Museum of Art em Norfolk, Virgínia, e, mais recentemente, no George Eastman Museum em Rochester.
Seguindo uma espécie de evolução natural, e sem solução de continuidade, FloodZone é sucedido pelo projeto Floridas, que também se materializa em um livro, publicado pela Steidl em 2022. Editado por David Campany —que também colabora no presente volume—, é o resultado do diálogo que a autora estabelece com a obra de Walker Evans, que fotografou o nascimento desse moderno estado da Flórida a partir dos anos 30. Evans chegou ao estado em 1934 devido a um projeto e continuou voltando por diversos motivos nas quatro décadas seguintes, durante as quais realizou inúmeras fotografias, talvez não tão famosas dentro de sua produção, que mostram a face menos reconhecível e estereotipada daquele lugar.
Em uma de suas viagens, Samoylova se deparou com The Mangrove Coast: The Story of the West Coast of Florida, um livro escrito pelo jornalista Karl Bickel e ilustrado por Walker Evans em 1942. A autora viaja pelas estradas da Flórida a partir de 2016, recolhendo a herança de Evans, visitando os lugares que ele fotografou e mostrando o que o fotógrafo já havia antecipado: o estado da Flórida como um lugar único onde realidade e fantasia andam de mãos dadas e cujas contradições talvez possam ser extrapoladas para todo o país. As fotografias de ambos os autores são apresentadas paralelamente, misturadas, entrelaçando passado e presente, combinando imagens em preto e branco e em cores, por vezes sem que o leitor consiga distinguir a autoria de cada uma delas.
A abrangência geográfica é totalmente ampliada com o projeto que apresentamos neste livro, Image Cities. Trata-se de um trabalho exaustivo e consciencioso realizado em diversos locais e no qual Samoylova estuda a integração da fotografia e da imagem no meio urbano, fenômeno cada vez mais presente em nossa sociedade. O projeto, que começou em Moscou e Nova York em 2021, foi concluído em outras cidades como Amsterdã, Paris, Londres, Bruxelas, Tóquio, Madrid e Barcelona graças ao KBr Photo Award.
A lista de cidades incluídas no trabalho é baseada no ranking estabelecido pela Globalization and World Cities Research Network da Loughborough University. Esta rede é o principal think tank sobre cidades na era da globalização e diversificou-se em questões relacionadas com este fenômeno, nas quais a preocupação com as relações entre as cidades se interrelaciona com a pesquisa sobre questões relacionadas aos negócios internacionais, a sustentabilidade, a política urbana e a logística.

© Anastasia Samoylova
Samoylova nos mostra muitas cidades, mas poderíamos dizer ao mesmo tempo que se trata de uma só, unificada pela serialidade, pela repetição na sequência das imagens. Assim, como se estivéssemos diante do retrato de uma grande cidade global, sua representação nos convida a refletir sobre o papel da fotografia na criação da diferença entre a identidade de marca das cidades e a sua realidade cotidiana. Através das imagens fazemos um passeio por cidades em construção ou transformação nas quais a figura humana está pouco presente. São paisagens urbanas onde se acumulam guindastes, andaimes, painéis e fachadas falsas que escondem edifícios em obras, antecipando em suas renderizações o resultado promissor que nos espera atrás. A figura humana surge em meio a todo esse imaginário publicitário em grande escala como uma espécie minúscula e ameaçada, que sucumbiu ao triunfo do consumismo e da especulação. Homens e mulheres caminham indiferentes, como se estivessem absortos em si mesmos, diante de faixas e outdoors dedicados a novos empreendimentos habitacionais de luxo, anúncios de tecnologia, joias, perfumes ou moda em uma sequência de collages de cores vivas e contornos nítidos, jogos de reflexos ou composições em sucessão de planos.
Um último bloco deste trabalho foca no papel da mulher nas cidades. Não podemos ignorar que quem está por trás da câmera é uma mulher, uma mulher-fotógrafa. Até ela mesma é incorporada em algumas das imagens, revelando seu próprio reflexo nas vitrines. Leslie Kern, em seu livro Cidade Feminista, se pergunta se pode haver um equivalente feminino para a figura masculina do flâneur de Charles Baudelaire. Nesse caso, Samoylova parece se tornar uma flâneuse contemporânea que percorre as cidades do século XXI, mostrando seu lado menos reconhecível e questionando o papel da mulher na cidade global. A figura feminina é o centro da sociedade de consumo, objeto e sujeito de uma publicidade que vincula sua existência ao luxo e ao glamour, e que pouco tem a ver com os problemas e preocupações cotidianas da grande maioria dos cidadãos.
Se no projeto Floridas, a referência a Walker Evans era clara e direta, nas imagens de Image Cities ressoam os motivos iconográficos da fotografia documental feita tanto por mulheres quanto por homens. Assim, encontramos ecos de Eugène Atget; de Berenice Abbott e seu Changing New York de 1939, narrando a transformação da cidade e o triunfo do novo sobre o velho; de Reflections, série realizada por Lisette Model também em Nova York e naquele mesmo ano; do kitsch que povoa as imagens de Stephen Shore; das fotografias coloridas da Nova York de Saul Leiter e, claro, de Lee Friedlander, um dos fotógrafos reverenciados por Samoylova e que, com seus jogos de planos, reflexos e paisagens urbanas, moldou o nosso imaginário das cidades dos Estados Unidos.
Como dizia Berenice Abbott, «a fotografia é o meio adequado para recriar o agora, o mundo vivo dos nossos dias». Mais do que uma herdeira destacada deste legado da fotografia documental, Anastasia Samoylova nos confronta, com seu projeto Image Cities, com o que há de mais vibrante e atual na vida das cidades. Desde que começou a trabalhar nele, grandes mudanças ocorreram globalmente: a pandemia de COVID-19 e a guerra na Ucrânia. Ambos acontecimentos transformaram muitas das regras do jogo que existiam até agora dentro da ordem mundial. Fiquemos atentos, porque não sabemos como será o mundo que está por vir, mas, de toda forma, será diferente. E o certo é que a fotografia estará aí para mostrá-lo.

Lona impresa para cubrir un edificio, Moscú, 2021.
Cortesia do artista.
© Anastasia Samoylova

Reflejo del Arco del Triunfo, París 2021.
Cortesia do artista.
© Anastasia Samoylova

Sex Shop, Zúrich, 2021.
Cortesia do artista.
© Anastasia Samoylova

Calle Arbat, Moscú, 2021.
Cortesia do artista.
© Anastasia Samoylova

Protagonista femenina, Times Square, Nueva York, 2022.
Cortesia do artista.
© Anastasia Samoylova

© Anastasia Samoylova